Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

Logo Soperj

Número atual: 14(1) - Outubro 2013

RELATOS DE CASO

Talon noir: Relato de Caso em uma criança

Talon Noir: A Case Report in a Child

 

Luiz Gustavo Martins da Silva1; Maria Victória Pinto Quaresma Santos2; Fernanda Helena Craide3; Andreia Oliveira Alves4; Fred Bernardes Filho5

1. Médico dermatologista - Médico dermatologista especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD)
2. Médica pós graduanda - Médica pós graduanda em dermatologia do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (IDPRDA - SCMRJ)
3. Acadêmica de medicina - Acadêmica de medicina da Universidade Gama Filho - Rio de Janeiro - RJ, Brasil
4. Acadêmica de medicina - Acadêmica de medicina da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) - Santos - SP, Brasil
5. Pós graduando de dermatologia - Pós graduando de dermatologia do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (IDPRDA - SCMRJ)

 

Endereço para correspondência:

Dr. Fred Bernardes Filho
Rua Marquês de Caxias, 9, Sobrado Centro
24030-050 - Niterói-RJ, Brasil
Tel.: 00-55-21-98267765
Tel.: 00-55-21-80929535
Email: f9filho@gmail.com

 

Resumo

Talon noir foi descrita pela primeira vez em 1961 por Peachey, como erupção petequial traumática característica dos saltos dos jogadores de basquete e originalmente chamada de petéquias do calcâneo. É uma dermatose relacionada ao trauma, com lesões assintomáticas e marcada pela presença de sangue dentro do estrato córneo. Apresenta manifestações clínicas variadas e sua localização depende do fator provocativo envolvido. Os autores apresentam e discutem um caso de talon noir com clínica incomum em criança de 11 anos e demonstram a importância da correlação das características clínicas e histopatológicas.

Palavras-chave: Talon noir, Hemorragia cutânea, Sangue intracorneano, Pés, Estrato córneo


Abstract

Talon noir, originally called "Calcaneal petechiae", was first described in 1961 as a "highly characteristic traumatic petechial eruption of the heels" peculiar to basketball players. It is a cutaneous disease-related trauma, with asymptomatic lesions and marked by the presence of blood within the stratum corneum. It presents various clinical manifestations and their location depends on the provocative factor involved. The authors present and discuss a case of talon noir with an unusual clinical presentation in a 11 year-old children and demonstrate the importance of correlation of clinical and histopathological features.

Keywords: Talon noir, Cutaneous haemorrhage, Intracorneal blood, Feet, Stratum corneum

 

INTRODUÇÃO

Talon Noir é uma dermatose com lesão petequial assintomática, relacionada com trauma e encontrada principalmente em sítios acrais que histologicamente é caracterizada por sangue dentro do estrato córneo(1). Desde sua descrição inicial, tem desfrutado de diversos nomes. Na literatura médica, observamos a diversidade de nomenclatura para esta dermatose, sendo descritos 17 nomes para descrever lesões com a presença de sangue no estrato córneo, como, por exemplo, petéquias no calcâneo, calcanhar preto, talon noir, hemorragia puntada pós-traumática da pele, púrpura traumática do pé, calcanhar de jogador de basquete, calcanhar de jogador de tênis, dedo do pé de jogador de tênis, hemorragia hiperceratósica, hemorragia puntada intraepidérmica disseminada, hematoma subcórneo, petéquias pigmentadas da palma, máculas negras palmar, palma negra, polegar de jogador de Playstation, cromidrose plantar, pseudocromidrose(2,3,4,5). Entretanto Talon Noir parece ser o mais citado. A descrição da lesão envolve principalmente o local acometido e o fator provocativo, como exemplos dedo do pé de jogador de tênis e até polegar de jogador de Playstation(2).

Nossos objetivos são relatar e demonstrar as características clínicas e histopatológicas de uma dermatose incomum na criança e alertar a importância de incluí-la no diagnóstico diferencial de lesões que ocorram nesta topografia.

 

RELATO DE CASO

Paciente feminino, 11 anos, natural e residente em Bebedouro, São Paulo, procurou ambulatório de dermatologia por apresentar feridas no pé direito. Há cerca de duas semanas apresentava lesões maculosas e purpúricas enegrecidas, coalescentes, assintomáticas, localizadas em região medial de ante pé direito. Na semana de surgimento das lesões, havia participado de atividades esportivas numa intensidade que não estava habituada. Criança destra e previamente hígida. História patológica pessoal e familiar sem dados significativos.

Ao exame ectoscópico, observamos na região plantar direita múltiplas máculas enegrecidas, algumas isoladas, outras confluentes e, no centro da lesão, o local da biópsia (figura 1). No detalhe do quadro, verificamos predomínio de lesões enegrecidas na proeminência do ante pé direito, ressaltando não haver acometimento da concavidade plantar. Havia ainda algumas poucas exulcerações e escoriações (figura 2). Foram aventadas as seguintes hipóteses: verruga plantar, tinea negra, tunguíase e algum tipo de suinismo, que obviamente não é uma dermatose, mas uma condição por baixo hábito de higiene que pode enegrecer e mudar o aspecto de uma dermatose, principalmente nessa região. Ao exame histopatológico, verificam-se acantose epidérmica e várias massas avermelhadas no estrato córneo; derme sem alterações (figura 3 e 4). Foram feitos exame micológico direto (EMD) e coloração ácido periódico-Schiff (PAS), ambos negativos.

 


Figura 1 - Múltiplas máculas enegrecidas, algumas isoladas, outras confluentes. No centro da lesão, observamos o local da biópsia.

 

 


Figura 2 - Predomínio de lesões enegrecidas na proeminência do ante pé direito. Havia ainda algumas poucas exulcerações e escoriações.

 


Figura 3 -Acantose epidérmica e várias massas avermelhadas no estrato córneo. Derme sem alterações. Ausência de coilocitose e papilomatose.

 

 


Figura 4 - Em maior aumento, detalhe de uma massa avermelhada, dentro do estrato córneo, contendo hemácias degeneradas.

 

 


Figura 5 - Ausência de lesões após 6 semanas.

 

Dessa forma, associando os aspectos clínicos aos achados histopatológicos e EMD e coloração PAS negativos, estabeleceu-se o diagnóstico de dermatose do esporte, também conhecida como Talon noir. Orientamos quanto à benignidade do quadro e, no retorno após seis semanas, verificamos não haver mais lesões por desaparecimento espontâneo de todas as lesões (figura 5).

 

DISCUSSÃO

A apresentação mais característica desta entidade clínica é a presença de máculas coalescentes formando uma placa purpúrica enegrecida, justamente o aspecto que veio a dar o nome a dermatose, como descrito pelo francês Peachey, como Talon noir que significa calcanhar negro(7). Sua etiopatogenia é de origem traumática e provocada por uma forma tangencial excessiva aplicada sobre a pele. Embora caracteristicamente bilateral e nos calcanhares, pode ser encontrada em qualquer superfície acral.

Como principais diagnósticos diferenciais, há verruga plantar, tinea negra e proliferação melanocítica, sendo o melanoma o principal e mais importante diagnóstico diferencial clínico. Uma inspeção cuidadosa é essencial para descartar um tumor melanocítico simultâneo. Nenhum tratamento é necessário, pois as lesões tendem a desaparecer espontaneamente.

Pelo nosso caso ter se manifestado com uma clínica incomum e pelo paciente ser criança, associado com atividade física como possível desencadeador, faz-se importante sua publicação. Também para relembrar da importância de se levantar os diagnósticos diferenciais, no dia a dia ambulatorial.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Tlougan BE, Mancini AJ, Mandell JÁ, Sanchez MR. Skin conditions in figure skaters, ice-hockey players and speed skaters: part I - mechanical dermatoses. Sports Med. 2011 Sep 1;41(9):709-19

2. Urbina F, Leon L, Sudy E. Black heel, talon noir or calcaneal petechiae? Australas J Dermatol. 2008 Aug;49(3):148-51.

3. Bender TW. Cutaneous manifestations of disease in athletes. Skinmed. 2003 Jan-Feb;2(1):34-40

4. Yaffee H. Talon noir. Arch Dermatol. 1971 Oct;104(4):452

5. Garcia-Doval I, de la Torre C, Losada A, Cruces MJ. Disseminated Punctate Intraepidermal Haemorrhage: A Widespread Counterpart of Black Heel. Acta Derm Venereol 1999 79(5):403

6. Rubegni P, Feci L, Fimiani M. Talon Noir: utility of dermoscopy for differential diagnosis with respect to other acral skin growths. G Ital Dermatol Venereol. 2012 Feb;147(1):133-4

7. Crissey JT, Peachey JC: Calcaneal petechiae. Arch Derm 83: 501, 1961