Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 4(2) - Agosto 2003

Revisoes em Pediatria

Enxaqueca na criança e no adolescente

Migraine in children and adolescents

 

Alexandra P. de Q. C. Araújo

Professora Adjunta de Neuropediatria da UFRJ, pós-doutorado em neurovirologia (University College Dublin), E-mail alexprufer@ufrj.br, currículo Lattes cadastrado.

 

Endereço para correspondência:

Av. Américas 700 bloco 3 sala 202
CEP 22640-100, Rio de Janeiro

 

Resumo

OBJETIVO: esta revisão tem como objetivo oferecer aos pediatras noções atualizadas referente à enxaqueca.
MÉTODO: baseou-se este artigo em uma revisão não sistemática da literatura médica a partir de levantamento de artigos indexados no MEDLINE, através da busca pelo PUBMED. Foram incluídos os artigos com enfoque na avaliação e conduta, tanto históricos quanto mais recentes.
RESULTADOS: A enxaqueca é uma das principais causas de cefaléia recorrente na criança e no adolescente. Tem importantes repercussões na qualidade de vida deste indivíduo. Pode ser diagnosticada e tratada pelo pediatra geral, na maioria dos casos com medicamentos simples.

Palavras-chave: enxaqueca, criança, adolescente, diagnóstico, tratamento


Abstract

OBJECTIVE: To offer pediatricians an actualization on migraine headaches.
METHOD: A non systematic literature reviewof MEDLINE indexed publications, through PUBMED was done. Manuscripts with emphasis on evaluation and management were reviewed, either historical as well as the newest ones.
RESULTS: Migraine is one of the leading causes for recurrent headaches in children and adolescents. It has important implications on quality of life in those individuals. This disorder might be diagnosed and treated by general pediatricians, in most cases with simple drugs.

Keywords: migraine, child, adolescent, diagnosis, drug therapy

 

Como etiologia neurológica predominante nas cefaléias recorrentes em qualquer idade, a enxaqueca merece considerações específicas. Nos Estados Unidos é considerada como uma das principais causas de absenteísmo escolar1,2. Estudo feito em escola na Índia em 2003 mostrou que além de 20 % dos estudantes entre 11 e 15 anos de idade relatarem cefaléia recorrente, as causas mais comuns eram a migrânia (ou enxaqueca) e a cefaléia do tipo tensional3.

Esta cefaléia se caracteriza por ocorrer em crises, acompanhadas por sintomas gastrointestinais, com períodos assintomáticos entre as crises, e tipicamente de localização unilateral. Este último aspecto, apesar de figurar dentre os critérios (quadro 1) não costuma ocorrer com a mesma freqüência nos casos pediátricos como nos adultos 4. Na criança também as crises podem ter menor duração (cerca de 1 hora) e poucas vezes os fatores associados apresentam-se em conjunto (ou náusea ou vômito, ou fono ou fotofobia).

 

 

Classificam-se as enxaquecas, de acordo com outras manifestações que porventura se associem em:

1. enxaqueca ou migrânea sem aura: é a forma mais comum, por isso também conhecida como enxaqueca comum;

2. enxaqueca ou migrânea com aura: quando precedida (ou acompanhada) de sintomatologia neurológica (visual é a mais comum) de minutos de duração, ocorre em até um terço dos casos;

3. enxaqueca basilar: quando a aura se relaciona ao território da artéria basilar (vertigem, diplopia, ataxia e estado confusional);

4. enxaqueca hemiplégica: associada à hemiplegia de no máximo 24 horas de duração;

5. enxaqueca oftalmoplégica: quando ocorre ptose, paralisia de movimentos oculares e dor retro-orbitária, com a paralisia podendo durar dias;

6. enxaqueca retiniana: com episódios curtos (até minutos) de cegueira monocular.

Em geral a aura de enxaqueca dura entre 4 a 60 minutos e o intervalo entre a aura e o início da dor menor do que 60 minutos.

Além destes quadros, interessantes e freqüentes são as síndromes periódicas nas crianças. Antigamente denominadas variantes ou equivalentes de enxaqueca, são comuns e podem lembrar outras doenças neurológicas, prestando-se, conseqüentemente, a erros diagnósticos e a falhas terapêuticas. Estas síndromes periódicas podem preceder (o que é mais comum, durante anos) ou ocorrer concomitante com uma das formas de enxaqueca acima. Podemos encontrar:

1. vertigem paroxística benigna

2. torcicolo paroxístico

3. vômitos cíclicos

4. dor abdominal cíclica

5. hemiplegia alterna

A enxaqueca tem forte componente hereditário, afeta mais o sexo feminino do que o masculino exceto antes dos 10 anos de idade quando ambos são igualmente atingidos. Pode ser precedida por modificações do apetite ou do comportamento e desencadeada por estresse, exercícios, determinados alimentos (chocolate, corantes, queijos, glutamato monossódico, nitritos), dentre outros. O relato de familiares que apresentem enxaqueca contribui na definição diagnóstica, principalmente nas síndromes periódicas onde a cefaléia em si pode estar ausente.

Crianças encaminhadas ao especialista freqüentemente já trazem um exame de imagem, porém raramente recebem uma orientação de conduta terapêutica5. O paciente com cefaléia e sua família, geralmente esperam do médico mais do que a simples prescrição de um medicamento. Buscam informações acerca do significado e prognóstico do sintoma. As crianças traçam relações de sua dor de cabeça com situações escolares e familiares. Dificuldades acadêmicas, insegurança no relacionamento com colegas ou familiares são temas que devem ser abordados durante a consulta. Os responsáveis costumam associar a presença de cefaléia a causas graves e cabe ao médico dedicar parte do tempo em explicar o que causa a cefaléia e esclarecer, quando pertinente, que a situação não coloca o paciente em risco de vida ou de seqüelas.

O tratamento dos episódios de cefaléia de pacientes com enxaqueca obedece à conduta básica de qualquer cefaléia, a instituição de um analgésico comum. A associação de um analgésico com um antiemético resulta em um efeito sinérgico no controle da dor. Em caso de enxaqueca mais resistente, principalmente nos casos de enxaqueca com aura, a ergotamina pode ser usada. Em qualquer caso deve-se sempre estar atento à condição de abuso de analgésicos6.

Novas medicações surgiram para o tratamento agudo das crises de enxaqueca, todas elas ainda não liberadas pelo FDA (Food and Drug Administration, USA) para uso em crianças. No entanto o sumatriptano usado sob forma de spray nasal pode ser um recurso nos casos de cefaléia resistente aos analgésicos habituais, com boa resposta7. Outra opção para o tratamento de crises agudas não responsivas aos analgésicos habituais é a proclorperazina, um antipsicótico com ação antiemética, por via endovenosa na dose de 0,15 mg/kg (máximo de 10 mg)8.

Deverão ser encaminhadas ao especialista as crianças que apresentem episódios freqüentes de enxaqueca (mais de dois ao mês), pois nestes casos deverá ser avaliada a instituição de tratamento intercrítico9. Para esta finalidade são utilizados, principalmente, o propanolol ou a flunarizina. Ensaios clínicos randomizados comparando estas drogas com placebo comprovam o benefício destas substâncias na redução da freqüência dos episódios de cefaléia.

Instrumentos científicos que avaliam o grau de disfunção provocada pela enxaqueca e o impacto na qualidade de vida existem e podem ser utilizados no acompanhamento destes pacientes, como o MIDAS e o PedsQL10-12. Através destas escalas demonstra-se que crianças mais jovens sofrem um impacto negativo maior sobre seu funcionamento social enquanto que adolescentes sobre o funcionamento escolar.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Anttila P, Metsahonkala L, Sillanpaa M. School start and ocurrence of headache. Pediatrics 1999, 103:e80. Disponível: http://pediatrics.aappublications.org/cgi/content/full/103/6/e80. Acessado em dezembro de 2003

2. Bille BS. Migraine in school children. Acta Pediatr 1962,51:1-151.

3. Shivpuri D, Rajesh MS, Jain D. Prevalence and characteristics of migraine among adolescents: a questionnaire survey. Indian Pediatr. 2003,40:665-669.

4. Fontenelle LMC, Cwaijg S. Enxaqueca na infância. Dificuldades diagnósticas. Arq Neuropsiquiatr 1998,56:553-558.

5. Schor NF. Brain imaging and prophylactic therapy in children with migraine: recommendations versus reality. J Pediatr. 2003,143:776-779.

6 Diener HC, Kaube H, Limmroth V. A practical guide to the management and prevention of migraine. Drugs. 1998,56:811-824.

7. Pakalnis A, Kring D, Paolicchi J. Parental satisfaction with sumatriptan nasal spray in childhood migraine. J Child Neurol. 2003,18:772-775.

8. Brousseau DC, Duffy SJ, Anderson AC, Linakis JG. Treatment of pediatric migraine headaches: A randomized, double-blind trial of prochlorperazine versus ketorolac. Ann Emerg Med. 2004,43:256-262.

9 Victor S, Ryan S. Drugs for preventing migraine headaches in children. Cochrane Database SystRev. 2003,4:CD002761.

10. D'Amico D, Grazzi L, Usai S, Andrasik F, Leone M, Rigamonti A, Bussone G. Use of the Migraine Disability Assessment Questionnaire in children and adolescents with headache: an Italian pilot study. Headache 2003,43:767-773.

11. Powers S, Patton S, Hommel K, Hershey A. Quality of life in paediatric migraine: characterization of age-related effects using PedsQL 4.0. Cephalalgia 2004,24:120-127.

12. Scott W. Powers, Susana R. Patton, Kevin A. Hommel, and Andrew D. Hershey. Quality of life in childhood migraines: clinical impact and comparison to other chronic illnesses. Pediatrics. 2003,112(1 Pt 1):e1-5. Disponível: http://pediatrics.aappublications.org/cgi/content/full/112/1/e1 Acessado: dezembro 2003.