Revisoes em Pediatria
Enxaqueca na criança e no adolescente
Migraine in children and adolescents
Alexandra P. de Q. C. Araújo
Professora Adjunta de Neuropediatria da UFRJ, pós-doutorado em neurovirologia (University College Dublin), E-mail alexprufer@ufrj.br, currículo Lattes cadastrado.
Endereço para correspondência:
Av. Américas 700 bloco 3 sala 202
CEP 22640-100, Rio de Janeiro
Resumo
OBJETIVO: esta revisão tem como objetivo oferecer aos pediatras noções atualizadas referente à enxaqueca.Palavras-chave: enxaqueca, criança, adolescente, diagnóstico, tratamento
Abstract
OBJECTIVE: To offer pediatricians an actualization on migraine headaches.Keywords: migraine, child, adolescent, diagnosis, drug therapy
Como etiologia neurológica predominante nas cefaléias recorrentes em qualquer idade, a enxaqueca merece considerações específicas. Nos Estados Unidos é considerada como uma das principais causas de absenteísmo escolar1,2. Estudo feito em escola na Índia em 2003 mostrou que além de 20 % dos estudantes entre 11 e 15 anos de idade relatarem cefaléia recorrente, as causas mais comuns eram a migrânia (ou enxaqueca) e a cefaléia do tipo tensional3.
Esta cefaléia se caracteriza por ocorrer em crises, acompanhadas por sintomas gastrointestinais, com períodos assintomáticos entre as crises, e tipicamente de localização unilateral. Este último aspecto, apesar de figurar dentre os critérios (quadro 1) não costuma ocorrer com a mesma freqüência nos casos pediátricos como nos adultos 4. Na criança também as crises podem ter menor duração (cerca de 1 hora) e poucas vezes os fatores associados apresentam-se em conjunto (ou náusea ou vômito, ou fono ou fotofobia).
Classificam-se as enxaquecas, de acordo com outras manifestações que porventura se associem em:
1. enxaqueca ou migrânea sem aura: é a forma mais comum, por isso também conhecida como enxaqueca comum;
2. enxaqueca ou migrânea com aura: quando precedida (ou acompanhada) de sintomatologia neurológica (visual é a mais comum) de minutos de duração, ocorre em até um terço dos casos;
3. enxaqueca basilar: quando a aura se relaciona ao território da artéria basilar (vertigem, diplopia, ataxia e estado confusional);
4. enxaqueca hemiplégica: associada à hemiplegia de no máximo 24 horas de duração;
5. enxaqueca oftalmoplégica: quando ocorre ptose, paralisia de movimentos oculares e dor retro-orbitária, com a paralisia podendo durar dias;
6. enxaqueca retiniana: com episódios curtos (até minutos) de cegueira monocular.
Em geral a aura de enxaqueca dura entre 4 a 60 minutos e o intervalo entre a aura e o início da dor menor do que 60 minutos.
Além destes quadros, interessantes e freqüentes são as síndromes periódicas nas crianças. Antigamente denominadas variantes ou equivalentes de enxaqueca, são comuns e podem lembrar outras doenças neurológicas, prestando-se, conseqüentemente, a erros diagnósticos e a falhas terapêuticas. Estas síndromes periódicas podem preceder (o que é mais comum, durante anos) ou ocorrer concomitante com uma das formas de enxaqueca acima. Podemos encontrar:
1. vertigem paroxística benigna
2. torcicolo paroxístico
3. vômitos cíclicos
4. dor abdominal cíclica
5. hemiplegia alterna
A enxaqueca tem forte componente hereditário, afeta mais o sexo feminino do que o masculino exceto antes dos 10 anos de idade quando ambos são igualmente atingidos. Pode ser precedida por modificações do apetite ou do comportamento e desencadeada por estresse, exercícios, determinados alimentos (chocolate, corantes, queijos, glutamato monossódico, nitritos), dentre outros. O relato de familiares que apresentem enxaqueca contribui na definição diagnóstica, principalmente nas síndromes periódicas onde a cefaléia em si pode estar ausente.
Crianças encaminhadas ao especialista freqüentemente já trazem um exame de imagem, porém raramente recebem uma orientação de conduta terapêutica5. O paciente com cefaléia e sua família, geralmente esperam do médico mais do que a simples prescrição de um medicamento. Buscam informações acerca do significado e prognóstico do sintoma. As crianças traçam relações de sua dor de cabeça com situações escolares e familiares. Dificuldades acadêmicas, insegurança no relacionamento com colegas ou familiares são temas que devem ser abordados durante a consulta. Os responsáveis costumam associar a presença de cefaléia a causas graves e cabe ao médico dedicar parte do tempo em explicar o que causa a cefaléia e esclarecer, quando pertinente, que a situação não coloca o paciente em risco de vida ou de seqüelas.
O tratamento dos episódios de cefaléia de pacientes com enxaqueca obedece à conduta básica de qualquer cefaléia, a instituição de um analgésico comum. A associação de um analgésico com um antiemético resulta em um efeito sinérgico no controle da dor. Em caso de enxaqueca mais resistente, principalmente nos casos de enxaqueca com aura, a ergotamina pode ser usada. Em qualquer caso deve-se sempre estar atento à condição de abuso de analgésicos6.
Novas medicações surgiram para o tratamento agudo das crises de enxaqueca, todas elas ainda não liberadas pelo FDA (Food and Drug Administration, USA) para uso em crianças. No entanto o sumatriptano usado sob forma de spray nasal pode ser um recurso nos casos de cefaléia resistente aos analgésicos habituais, com boa resposta7. Outra opção para o tratamento de crises agudas não responsivas aos analgésicos habituais é a proclorperazina, um antipsicótico com ação antiemética, por via endovenosa na dose de 0,15 mg/kg (máximo de 10 mg)8.
Deverão ser encaminhadas ao especialista as crianças que apresentem episódios freqüentes de enxaqueca (mais de dois ao mês), pois nestes casos deverá ser avaliada a instituição de tratamento intercrítico9. Para esta finalidade são utilizados, principalmente, o propanolol ou a flunarizina. Ensaios clínicos randomizados comparando estas drogas com placebo comprovam o benefício destas substâncias na redução da freqüência dos episódios de cefaléia.
Instrumentos científicos que avaliam o grau de disfunção provocada pela enxaqueca e o impacto na qualidade de vida existem e podem ser utilizados no acompanhamento destes pacientes, como o MIDAS e o PedsQL10-12. Através destas escalas demonstra-se que crianças mais jovens sofrem um impacto negativo maior sobre seu funcionamento social enquanto que adolescentes sobre o funcionamento escolar.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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