Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 10(1) - Maio 2009

Revisoes em Pediatria

Dislipidemias na infância e na adolescência: um caso de saúde pública?

Dyslipidemias in childhood and adolescence: a public healthy problem?

 

Maria Cristina Brito Faulhaber1; Márcia Antunes Fernandes2; Maria de Marilacc Lima Roiseman3; Walter Taam Filho4

1. Especialista (Médica pediatra e hebiatra).
2. Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense (Médica pediatra).
3. Mestre em Saúde da Criança (Cardiologista Pediátrica).
4. Doutor em Ciência dos Alimentos (Coordenador e Professor da Pós Graduação Universidade Veiga de Almeida).

 

Resumo

As dislipidemias na infância e na adolescência adquiriram maior importância entre as patologias mais estudadas neste século pelas repercussões que trazem na vida adulta. É uma das principais causas de morbidade e mortalidade em adultos em todo o mundo, com tendência a acometer pessoas cada vez mais jovens, em especial em países em desenvolvimento. A obesidade, a hipertensão arterial, o sedentarismo, o tabagismo estão entre os fatores de risco mais importantes para a instalação da doença aterosclerótica, hoje sabidamente uma doença inflamatória crônica que se inicia na primeira década de vida. Neste artigo de revisão apresentamos as mais recentes publicações, com os índices preconizados para avaliação das dislipidemias, os pontos de corte para as faixas etárias e a abordagem terapêutica. O artigo visa reforçar junto ao pediatra a importância de recomendar hábitos saudáveis de vida e de alimentação.

Palavras-chave: dislipidemias, aterosclerose, criança, adolescente


Abstract

Dyslipidemias in childhood and adolescence have become a matter of major importance among most studied pathologies this century from its repercussion in adult life. It's one of the main causes of morbidity and mortality in adults around the world, tending to happen with younger people, especially in developing countries. Obesity, arterial hypertension, sedentary lifestyle and smoking are among the most important factors of risk to develop atherosclerosis disease, known as an inflammatory chronic disease that begins in the first decade of life.

Keywords: dyslipidemias, atherosclerosis, children, adolescent

 

A doença aterosclerótica é uma doença inflamatória crônica, que se inicia na primeira década de vida, mas com um longo período pré-sintomático, caracterizado por obstrução progressiva da luz arterial por placas de ateroma e trombos, disfunção endotelial e processo inflamatório. É uma das principais causas de morbidade e mortalidade em adultos em todo o mundo, com tendência a acometer pessoas cada vez mais jovens, em especial em países em desenvolvimento (Levi et al., 2002).

A patogenia mais encontrada nas doenças cardiovasculares (DCV) é, indiscutivelmente, a aterosclerose coronária, que pode acometer, inclusive, crianças e pacientes jovens. Monckberg, citado por Cresanta e colaboradores, examinou aortas de crianças que faleceram durante a 1ª; guerra mundial e, em 1921, relatou que 36% de jovens com menos de 20 anos e 76% dos que tinham entre 20 e 25 anos, por ocasião do óbito, já apresentavam ateromatose da camada íntima da aorta. Em 1930, Zeek citou que a aterosclerose ocorre em qualquer idade.

Holman et al (1958), no artigo: "Observations on The Natural History of Atherosclerosis", analisaram mais de 2000 aortas e centenas de artérias coronárias em exames post-mortem de indivíduos de 1 a 40 anos de oito áreas geográficas: Estados Unidos, Espanha, África do Sul, Inglaterra, Porto Rico, Guatemala, Costa Rica e Columbia. Esses autores descreveram os estágios seqüenciais de desenvolvimento da aterosclerose: (1) estria gordurosa, (2) placa fibrosa, (3) complicação da lesão com hemorragia ou trombose e (4) doença clínica. Concluíram que todos os pacientes acima de 3 anos de idade tinham algum grau de estria gordurosa. O grau de estria gordurosa foi similar nas várias áreas geográficas do mundo e em todas ocorreu um rápido aumento destas estrias entre 8 e 18 anos de idade, sugerindo uma relação com as mudanças hormonais da puberdade. Concluíram, também, que a estria gordurosa é reversível, enquanto o potencial de reversibilidade da placa fibrosa é limitado.

Em 1958, Holman lançou, no V Congresso Internacional de Pediatria, um questionamento da doença aterosclerose como um problema pediátrico.

As manifestações clínicas da aterosclerose, em geral, surgem a partir da meia-idade.

Entre os fatores de risco clássicos estão a obesidade, hipertensão arterial, dislipidemias, diabetes mellitus, sedentarismo, tabagismo e história familiar positiva para doença cardiovascular.

A relação entre fatores de risco específicos e aceleração do processo aterosclerótico, no adulto, está bem estabelecida. No caso da doença aterosclerótica, os efeitos dos fatores de risco associados potencializam-se e a probabilidade de eventos clínicos torna-se exponencialmente maior (WHO, 1998).

Vários estudos mostram a importância da avaliação dos fatores de risco desde o início da vida para a prevenção da DCV na fase adulta, dentre eles o estudo de Bogalusa (Frerichs et al., 1976; Nicklas et al., 2002; Berenson et al., 1979). Este estudo foi iniciado nos EUA a partir de 1972 e se estende até os dias de hoje, foi o de maior impacto sobre os fatores de risco para a doença aterosclerótica na infância. Deu a origem a mais de 800 publicações sobre os fatores de risco para a doença coronariana na infância.

Neste estudo foram selecionadas 22.000 pessoas de 5 a 14 anos de idade em uma comunidade semi-rural composta por brancos e negros, onde foram avaliados: dieta, tabagismo, atividade física, história familiar, dados antropométricos e dosagem de lipídeos séricos. Os dados foram coletados a cada 3 anos (Nicklas et al., 2002) a fim de traçar padrões de normalidade, detectar inter-relações entre os fatores de risco e determinar qual a tendência dos fatores se manterem com o crescimento.

Através deste estudo, os autores concluíram que:

  • Os fatores de risco para aterosclerose e a hipertensão arterial sistêmica já são encontrados na infância.
  • Para cada idade há valores considerados normais para IMC, lipídeos séricos e pressão arterial.
  • Dieta, sedentarismo e tabagismo podem influenciar estes fatores (obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial).
  • A educação precoce pode modificar o risco de doença aterosclerótica coronariana.

Outro estudo importante no enfoque preventivo cardiovascular na infância foi o Estudo de Muscatine em Iowa nos EUA, em 1970, que avaliou a saúde de escolares e reforçou os achados de Bogalusa, principalmente no que diz respeito à alteração do perfil lipídico durante o crescimento e desenvolvimento (Lauer et al., 1988). Uma coorte de crianças em Muscatine, Iowa, foi acompanhada desde 1971. Os fatores de risco foram avaliados entre as faixas etárias de 8 aos 18 anos de idade e em adultos jovens, dos 20 aos 33 anos. O estudo de Muscatine utilizou a ultrasonografia da artéria carótida de uma amostra desta coorte para avaliar a espessura média da íntima (EMI). Já havia sido demonstrado haver uma associação entre valores altos de EMI da carótida com a presença de calcificação da artéria coronária. Constatou-se que a EMI aumentada da carótida estava associada com aumento da concentração total de colesterol e outros fatores de risco, como pressão arterial elevada na infância.

Em 1972, pesquisadores americanos, canadenses, israelenses e russos desenvolveram um estudo multicêntrico, o "Lipid Research Clinics-Prevalence Study" cujo objetivo principal era determinar qual a distribuição dos níveis lipídicos na população infantil e sugerir critérios de normalidade para as frações lipídicas (Rifkind et al., 1983).

Estudos epidemiológicos têm mostrado que as DCV seriam uma causa relativamente rara de morte na ausência dos principais fatores de risco (Beaghole, 2001). Stamler e colaboradores (1999) mostraram que, aproximadamente 75% dos casos novos dessas doenças ocorridos em países desenvolvidos, nas décadas de 70 e 80, poderiam ser explicados por dieta e atividades físicas inadequadas, expressas por níveis lipídicos desfavoráveis, obesidade e elevação da pressão arterial associados ao hábito de fumar.

 

PANORAMA NO BRASIL

Um dos grandes desafios da Pediatria deste milênio é a prevenção das doenças crônicas do adulto e do idoso, que geralmente tem raízes na infância, por vezes na vida intra-uterina1. Se o ambiente intra-uterino for desfavorável, o feto pode apresentar retardo de crescimento intra-uterino ou macrossomia, condições clínicas associadas ao desenvolvimento tardio de diabetes, doença cardiovascular, dislipidemia e hipertensão arterial2. Nos últimos anos as doenças do aparelho circulatório têm sido as principais causas de óbito no Brasil. Os dados mais recentes publicados pelo Ministério da Saúde mostram um aumento nas taxas de 2005 em relação a 2004, sendo as doenças cardiovasculares responsáveis respectivamente por 31,5% e 27,8% do total de óbitos3.

Principalmente após a Segunda Guerra Mundial houve mudanças no perfil epidemiológico, com aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, tais como as doenças cardiovasculares, diversos tipos de câncer, diabetes e obesidade. Muitas mudanças socioculturais ocorreram nas últimas décadas, no Brasil e no mundo, trazendo consigo sedentarismo e alteração nos hábitos alimentares com maior consumo de gorduras e ácidos graxos4. As dislipidemias são consideradas um dos mais importantes fatores responsáveis pelo desenvolvimento das doenças cardiovasculares5.

As dislipidemias na população pediátrica têm gerado crescente preocupação, justificando o aumento de pesquisas e diagnóstico, buscando antes a prevenção do que o tratamento. O objetivo deste artigo é fomentar esta preocupação entre os profissionais que lidam no dia a dia com nossas crianças e adolescentes, promovendo a discussão e a valorização da abordagem do perfil lipídico em suas consultas.

No Brasil, existem estudos epidemiológicos sobre hipertensão primária na infância e adolescência onde a prevalência variou de 0,8% a 8,2% (Fuchs et al, 2001; Gus et al, 2004). Assim como já observado nos adultos, muitos destes trabalhos demonstraram uma freqüente associação de hipertensão arterial sistêmica com sobrepeso e obesidade.

Em Campinas-SP, Moura e colaboradores (2001) encontraram uma prevalência de hipercolesterolemia de 35% numa população de escolares com idade de 7 a 14 anos. Giuliano (2001), em Florianopólis-SC, encontrou 10% de hipercolesterolemia, 22% de hipertrigliceridemia, 6% de níveis elevados de Lipoproteína de Baixa Densidade (LDL-colesterol) e 5% de níveis baixos Lipoproteína de Alta Densidade (HDL-colesterol).

Estudos nacionais sobre perfis lipídicos na infância e na adolescência relacionam-se frequentemente com o perfil nutricional. Pesquisa realizada em Campina Grande (PB), em 2007, procurou avaliar a associação entre obesidade e dislipidemias em adolescentes do ensino público e privado. Foi encontrada prevalência de dislipidemia em 66,7% dos estudantes avaliados, sendo que nestes constatou-se alteração do HDL em 56,7%6. Já outro trabalho no Vale do Itajaí (SC), de 2005, avaliou o perfil lipídico de escolares de baixa renda e relacionou com obesidade, constatando apenas HDL baixo associado à presença de obesidade7. Em Maracaí (SP), durante 2002, foram avaliados 2029 escolares entre 7 e 17 anos, sendo avaliado o colesterol não HDL, que foi considerado um método confiável e de menor custo para investigação de dislipidemias em crianças e adolescentes8. Este trabalho comenta também o grande impacto adverso do sobrepeso e obesidade na criança e no adolescente sobre os valores de triglicerídeos. As Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias9 e o Programa Nacional de Educação sobre Colesterol (NCEP)5 nos Estados Unidos recomendam a determinação do LDL pela fórmula de Friedewald como alvo prioritário para avaliação do risco e tratamento para redução de lipídios. A fórmula consiste em LDL= colesterol total - HDL - triglicerídeos/5. Além de ser uma medida indireta, a fórmula não avalia outras partículas consideradas aterogênicas, não pode ser usada se triglicerídeos forem maiores que 400 mg/dl e requer jejum de 12 horas. Por outro lado, o não HDL calculado pela diferença entre o colesterol total e o HDL, inclui todo o colesterol presente nas partículas de lipoproteínas consideradas potencialmente aterogênicas (LDL, VLDL, lipoproteínas de intensidade intermediária (IDL) e lipoproteína A) - e exclui o HDL, considerado anti-aterogênico. Além de ser um cálculo simples de obtenção do HDL, envolve baixo custo e não sofre influência dos valores de triglicerídeos, que não precisam ser mensurados, havendo assim a vantagem adicional de não exigir jejum10.

As concentrações de lipídios variam conforme a idade e o grau de maturação. Dados do NHANES de 1988-1994, em crianças e adolescentes com idades entre 4 e 19 anos mostraram um valor médio de colesterol de 165 mg/dl. Este valor sobe para 171 quando se especifica a faixa etária de 9 aos 11 anos de idade. Estes valores diminuem durante o desenvolvimento puberal para tornarem a aumentar depois. Estas constatações são importantes porque refletirão qual a época ideal para realização de screening e determinação dos pontos de corte do colesterol, pois as concentrações lipídicas são dependentes da idade e do grau de maturação.

 

FISIOPATOLOGIA DA ATEROSCLEROSE

Recentes pesquisas mostram que o conceito vigente por longo tempo de aterosclerose como uma doença degenerativa, de evolução lenta, acometendo predominantemente idosos e com sintomas causados por uma obstrução mecânica no fluxo sangüíneo, não corresponde ao que efetivamente ocorre. O conhecimento da fisiopatologia desta doença tem evoluído desde o século passado, quando, na década de 70, a idéia da existência de relação direta entre lipídios e aterosclerose dominava o pensamento médico devido a estudos experimentais e clínicos demonstrando forte relação entre hiperlipidemia e formação de ateroma 11.

Atualmente as evidências científicas demonstram que os mecanismos envolvidos na gênese da doença aterosclerótica são extremamente complexos e envolvem a interação de componentes genéticos, ambientais e resposta inflamatória. 11-14.

Observando os componentes celulares e moleculares envolvidos no processo de desenvolvimento e evolução da aterosclerose podemos afirmar que se trata de um processo dinâmico, inflamatório e modificável, o que implica na possibilidade de intervenção.

A palavra aterosclerose deriva do grego atero, que significa caldo ou pasta, e esclerose, que corresponde a endurecimento. A aterosclerose deve der vista como uma doença multifatorial, lenta e progressiva, resultante de uma série de respostas celulares e moleculares altamente específicas17.

O acúmulo de lípides, células inflamatórias e elementos fibrosos, que se depositam na parede das artérias, são os responsáveis pela formação de placas ou estrias gordurosas, e que geralmente ocasionam a obstrução das mesmas. Na patogenia da doença aterosclerótica, um conjunto de fatores de risco, alguns clássicos e outros emergentes, têm sido correlacionados, tais como:

 

 

A incidência de doença coronariana depende, em geral, da prevalência de seus fatores de risco. Quanto maior a presença de fatores de risco para a aterosclerose, maior a probabilidade de incidir uma coronariopatia. Dentre os fatores de risco mais freqüentes estão a hipercolesterolemia, o hábito de fumar, a hipertensão arterial, a hipertrigliceridemia, a obesidade e a história familiar de cardiopatia isquêmica27.

As lipoproteínas, particularmente as lipoproteínas de baixa densidade (LDL-c) têm ocupado um papel de destaque na etiologia da doença aterosclerótica, ainda que, muitos indivíduos desenvolvam doença cardiovascular na ausência de anormalidades no perfil das lipoproteínas 15.

Apesar de qualquer artéria poder ser afetada, os principais acometimentos se dão na aorta e nas artérias coronárias e cerebrais, tendo como principais conseqüências o infarto do miocárdio, a isquemia cerebral e o aneurisma aórtico.

Cresanta e col 16 fazem referência ao trabalho de Monckberg no qual ele relata que ao examinar aortas de crianças que faleceram durante a 1ª; guerra mundial constatou que 36% de jovens com menos de 20 anos e 76% dos que tinham entre 20 e 25 anos, por ocasião do óbito, apresentavam ateromatose da íntima da artéria. Anos após, Zeek 17, na década de 30, corroborou que a aterosclerose ocorre em qualquer idade.

Holman e col 18 relataram, em 1958, que todas as crianças com três anos de idade ou mais já eram portadoras de estrias de gordura em aorta e que todas as pessoas com 20 ou mais anos de idade tinham estrias gordurosas nas artérias coronárias. Estas lesões vistas em crianças estão diretamente relacionadas com as lesões macroscópicas observadas mais tarde 19.

Alguns estudos detectaram a prevalência de placas ateroscleróticas superior a 40% nas autópsias de adultos jovens, sugerindo que o processo aterosclerótico ocorra precocemente20. De forma ainda mais contundente, Napoli et al 21 sugerem que a aterosclerose pode ter início ainda na fase de desenvolvimento intra-uterino, podendo ser potencializada se a mãe apresenta hipercolesterolemia, e progredir lentamente na adolescência e apresentar manifestações clínicas na idade adulta.

Dois estudos, o Pathobiological Determinants of Atherosclerosis inYouth (PDAY)22 e o Bogalusa Heart Study23 foram fundamentais para o entendimento de como as lesões se desenvolvem e sua precocidade, salientando a atenção que deve ser dada aos fatores de risco a ser iniciada na infância, deixando claro que aterosclerose deve ser encarada como um problema pediátrico.

As seqüências de eventos fisiopatológicos que levam a aterosclerose são o resultado de uma interação de acentuada complexidade, envolvendo elementos sangüíneos, fluxo alterado e comprometimento da camada de revestimento do vaso. Isto implica em aumento da permeabilidade e ativação do endotélio, havendo migração de monócitos e ativação de células inflamatórias, proliferação de células da musculatura lisa e síntese de matriz, degeneração com depósito de gordura, necrose devida a oxidação lipídica, calcificação e ruptura da placa, recrutamento de plaquetas, fibrina e formação de trombos.

A disfunção endotelial, desencadeada por diversos fatores como hipertensão arterial, diabetes, tabagismo e dislipidemias, inicia o processo aterogênico. A resposta inflamatória na aterogênese é mediada através de mudanças funcionais em células endoteliais, linfócitos T, macrófagos derivados de monócitos e células do músculo liso 15,24. A ativação destas células desencadeia a elaboração e interação de um extenso espectro de citoquinas, moléculas de adesão, fatores de crescimento, acúmulo de lípides e proliferação de células do músculo liso21. Adicionalmente, a resposta inflamatória pode ser induzida pelo estresse oxidativo, principalmente à oxidação da LDL-c 13,15,26. A penetração de lipoproteínas no espaço subendotelial, em especial LDL ativa a geração de glicoproteínas de adesão na superfície das células endoteliais e secreção de fatores de crescimento e citocinas responsáveis pela migração, proliferação celular e coagulação. Os monócitos penetram na camada íntima e no espaço subendotelial e transformam-se em macrófagos ativados que não reconhecem as moléculas de LDL oxidadas como próprias e as capturam. Ao atingirem sua capacidade de armazenamento dos lipídios, estes macrófagos são denominados de "foam cells", ou seja, células espumosas. O acúmulo de lipídios intracelularmente nas células espumosas ou extracelularmente, dá origem às estrias lipídicas, que podem ser detectadas já nos primeiros anos de vida. O processo fibrótico que se segue possui uma cobertura composta por células musculares lisas e material abundante em colágeno e proteoglicanos que recobrem o núcleo necrótico repleto de lipídios. Com a progressão as placas podem se apresentar como estruturas com calcificações, ulcerações e áreas com sangramento de pequenos vasos. As placas que possuem o núcleo gorduroso mole são bastante instáveis podendo sofrer rompimento, liberando na corrente sangüínea material com potencial trombogênico, responsável pela maior parte das manifestações clínicas agudas da doença25.

 

ETIOLOGIA

Os fatores desencadeantes das dislipidemias podem ser genéticos e/ou ambientais28. As dislipidemias primárias são mais freqüentes que as secundárias29. De uma maneira geral, as dislipidemias de origem genética como a hipercolesterolemia familiar cursam com manifestações cardiovasculares mais precoces e de maior gravidade30. Uma desordem hereditária deve ser sempre considerada em crianças e adolescentes com pais e avós com história de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) precoce (<55 anos); angina pectoris; doença vascular periférica; doença vascular cerebral e morte súbita assim como aumento dos níveis séricos de LDL-C; triglicerídeos e HDL-C baixos31. A elevação dos níveis de colesterol, LDL-C, triglicerídeos e a diminuição da HDL costumam ser mais acentuadas quando comparadas com as observadas nas de origem ambiental. (tabela 1)

 

 

A dosagem dos níveis de colesterol e triglicerídeos tem relação direta como o tipo de partícula elevada. Para algumas anormalidades lipídicas classificadas, a determinação do defeito metabólico e genético pode ser realizada. Contudo, para o clínico, é suficiente o conhecimento dos níveis de LDL, HDL e triglicerídeos32.

A classificação modificada de Fredrickson e recomendada pela Organização Mundial de Saúde utilizam como critério diferencial a lipoproteína predominante. (tabela 2)

 

 

As causas de dislipidemias secundárias mais observadas na infância e adolescência são as encontradas na obesidade, síndrome nefrótica, diabetes e hipotireoidismo. A obesidade é a causa secundária mais comum de dislipidemia e, ao contrário do que muitos clínicos pensam, a hipertrigliceridemia é mais freqüente que a hipercolesterolemia e está também associada com níveis reduzidos de HDL. Discretas elevações dos níveis séricos de LDL-C têm sido assinalados em 20% dos pacientes obesos.

 

 

FATORES DE RISCO

Obesidade

A obesidade é considerada um critério para triagem de perfil lipídico em crianças e adolescentes33. No Brasil houve significativo aumento na proporção de adolescentes com excesso de peso: 3,9% dos garotos e 7,5% das garotas entre 10 e 19 anos, em 1974-1975 para 17,9% e 15,4% respectivamente, em 2002-2003. Em ambos os sexos, a freqüência da obesidade é maior nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do que nas regiões Norte e Nordeste e, dentro de cada região, tende a ser maior no meio urbano do que no meio rural34.

A obesidade visceral confere pior prognóstico. Estudo realizado com cerca de 3000 indivíduos entre 5 e 17 anos mostrou que o predomínio de gordura na região tronco-abdominal, avaliada pela medida da cintura, estava relacionada a uma concentração adversa de TG, LDL, HDL e insulina, independente de raça, sexo, idade, peso e altura35. Um recente trabalho brasileiro mostrou a validação da circunferência abdominal como indicador de parâmetro clínico ligado à obesidade infanto-juvenil, substituindo dosagens laboratoriais que possam não estar ao alcance do profissional, como insulinemia e leptinemia36.

Valores altos de índice de massa corporal (IMC = P/A2) têm sido associados com história familiar positiva de doença cardiovascular (DCV) e com marcadores de DCV37, 38. Por outro lado, trabalhos mostram que uma história familiar positiva de DCV isoladamente é um fraco preditor de hiperlipidemia. A dislipidemia na infância pode estar associada ao desenvolvimento de obesidade na vida adulta, especialmente no sexo feminino, o que pode sugerir que haja algum mecanismo geneticamente determinado que explique a associação dessas variáveis39. Mesmo crianças obesas com níveis normais de LDL podem ter um perfil lipídico desfavorável, dada a proporção entre as subclasses de suas lipoproteínas. Quanto menor a partícula de LDL, provavelmente maior será seu poder de aterogênese, tendo as crianças obesas um maior percentual de LDL de padrão B (partículas menores) do que as crianças com peso normal para a estatura40. A distribuição da gordura corpórea tanto em adultos como em crianças e adolescentes deve ser avaliada, pois a concentração da gordura na região tronco abdominal (obesidade andróide) apresenta uma maior associação com a morbidade e mortalidade do que a concentração na região glúteo-femural (obesidade ginecóide). Trabalhos mostram que crianças e adolescentes obesos, principalmente com acúmulo de gordura abdominal, apresentam perfil lipídico desfavorável, caracterizado por níveis elevados de triglicerídeos, de LDL, de insulina e diminuídos de HDL, independente de raça, sexo, idade, peso e altura41. A obesidade está fortemente associada a um perfil lipídico adverso e essa relação é mais evidente em meninos que em meninas, sendo a mais significativa o aumento de VLDL42. As mudanças dos níveis lipídicos durante a puberdade são diferentes nos sexos masculino e feminino. Em indivíduos com IMC normal, o colesterol total, o LDL e o não HDL diminuem em ambos os sexos durante a puberdade. A fração HDL diminui nos adolescentes do sexo masculino durante a adolescência, mas permanece o mesmo nas meninas43,44.

O número de adipócitos é definido até cerca de 20 anos de idade, tornando-se constante na idade adulta, quando cresce em tamanho. Este número é influenciado principalmente por fatores genéticos e hábitos alimentares. O adulto que teve ganho ponderal excessivo na infância terá maior dificuldade em perder peso na idade adulta. No emagrecimento, adipócitos perdem volume, mas quantitativamente seu número se mantém. Hoje se sabe que indivíduos obesos submetidos à cirurgia de redução gástrica dois anos depois mantinham o mesmo número de adipócitos, havendo um processo dinâmico de morte e reposição das células gordurosas. Anualmente 10% das células adiposas são renovadas.

Trabalhos questionam se há relação causal entre hiperlipidemia na infância e eventos cardiovasculares na idade adulta. Sabe-se que 31% das crianças americanas têm IMC acima do percentil 85 e devem ser avaliadas quanto ao lipidograma. Resultados lipídicos normais devem ser rechecados a cada 3 a 5 anos45.

Tabagismo

No Brasil, segundo dados da Comprev/Inca/MS e do Cebrid (Centro de Informações sobre Drogas), 90% dos fumantes experimentam o primeiro cigarro antes dos 13 anos de idade. O tabagismo é um importante e reversível fator de risco para doença coronariana provocando efeitos hemodinâmicos relacionados à ativação do sistema nervoso simpático. A nicotina estimula a liberação de catecolaminas (epinefrina e norepinefrina), as quais aumentam o ritmo cardíaco e a constrição vascular periférica. Como resultado, há um aumento da pressão sangüínea, como também a carga de trabalho cardíaco e a demanda por oxigênio. Níveis elevados de catecolaminas também estimulam a liberação de ácidos graxos livres. Os vasos coronarianos também são sensíveis a tais efeitos, admitindo-se que a vasoconstrição crônica possa promover lesão endotelial, dando início ao desenvolvimento de placas ateroscleróticas ou à progressão de trombose local. Além disso, o monóxido de carbono (CO), um dos constituintes da fumaça do cigarro, ocasiona redução do conteúdo de oxigênio sangüíneo, o que pode ser um adjuvante para o desenvolvimento de isquemia miocárdica. Outros efeitos ocasionados incluem: alterações da coagulação, ativação plaquetária e interferência no metabolismo lipídico, que potencializam muito o risco de eventos isquêmicos em tabagistas. A incidência de infarto do miocárdio aumenta cerca de seis vezes nas mulheres e três vezes nos homens que fumam cerca de 20 cigarros por dia, comparativamente àqueles que nunca fumaram. Entre homens com menos de 65 anos, o tabagismo dobra o risco de morte cardiovascular, ao passo que em homens com idade igual ou superior a 85 anos, este risco é aumentado em apenas 20%.

Sedentarismo

O sedentarismo parece ser um dos fatores de risco mais importantes para doenças cardiovasculares na sociedade atual. É considerado um problema de saúde pública devido à elevada prevalência na população em geral. No estado de São Paulo, o sedentarismo atinge 79% da população, sendo mais prevalente que o tabagismo (38%), a hipertensão arterial sistêmica (22%), a obesidade (18%) e o alcoolismo (8%). Estudos epidemiológicos têm demonstrado uma relação inversa entre o nível de atividade física diária ou a condição física e o risco de morbimortalidade cardiovascular. Nesse sentido, um estudo realizado por Paffenbarger e col. demonstrou que indivíduos ativos apresentam um risco 36% menor de morte por doença da artéria coronária que indivíduos sedentários, e esse risco será tanto menor quanto maior for a atividade física praticada46.

Sabendo-se dos potenciais benefícios do exercício aeróbico um estudo procurou avaliar seus efeitos na fração não HDL do colesterol em crianças e adolescentes. Esta fração é calculada pela diferença entre o colesterol total e a fração HDL e mostrou ser um preditor melhor da morbidade e da mortalidade por DCV em adultos. O estudo concluiu que o exercício aeróbico não reduz a fração não HDL, porém melhora o percentual de gordura corporal e a capacidade aeróbica em crianças e adolescentes47.

Reduzir o número de horas assistindo TV e usando computador pode ter um importante papel na prevenção da obesidade e na redução do IMC em crianças e adolescentes. Estas mudanças parecem estar mais relacionadas às alterações na ingesta excessiva de alimentos do que ao aumento na atividade física.

Hipertensão arterial (HAS)

O reconhecimento precoce de elevações anormais da pressão arterial (PA) em crianças e adolescentes é responsabilidade dos médicos de assistência primária. A incorporação da medição da PA no exame pediátrico rotineiro permite a descoberta da hipertensão assintomática significativa secundária a um distúrbio previamente ignorado e confirma que elevações discretas da PA são mais comuns do que se acreditava antigamente, sobretudo em adolescentes. Embora possa ser um sinal de uma doença cardíaca, endócrina ou renal, a PA elevada também pode representar um início precoce da hipertensão essencial. A prevalência de HAS em crianças e adolescentes pode variar de 2% a 13%.

 

 

Uma influência familiar sobre a PA pode ser identificada no início da vida. As crianças de famílias com hipertensão tendem a ter PA mais alta que as crianças de famílias normotensas**. Os irmãos de crianças com hipertensão apresentam uma PA significativamente mais alta que os irmãos de crianças com PA baixa.*

Antes de uma criança ou adolescente ser diagnosticado como hipertenso devem ser realizadas várias aferições da PA. Fatores de risco devem ser observados, como história familiar, obesidade, erros dietéticos, tabagismo e sedentarismo. Cabe ressaltar a importante associação entre excesso de peso e PA predominantemente no adolescente. A ingestão de álcool, o uso de drogas (particularmente a cocaína) e a utilização de hormônios esteróides, anabolizantes e anticoncepcionais orais devem ser considerados como possíveis causas de HAS. O tratamento não-medicamentoso é obrigatório a partir do percentil 90 de pressão sistólico-diastólica, com ênfase para adoção de medidas em âmbito familiar, em especial a correção do excesso de peso. A presença de hipertensão arterial por si não contra-indica a prática de esportes. Essa atividade deve ser estimulada, sob supervisão, como uma das modalidades de terapêutica não-medicamentosa. Um estudo comparativo do perfil lipídico, PA e aspectos nutricionais em adolescentes filhos de hipertensos e normotensos mostrou que há maiores níveis de PA e perfil lipídico mais desfavorável entre filhos de hipertensos, onde os níveis baixos de HDL foram o achado mais relevante e independente de variáveis antropométricas ou nutricionais.

 

DIAGNÓSTICO

Os pacientes pediátricos, acima de 2 anos, devem ser submetidos a dosagem do colesterol total, caso tenham:

  • História familiar positiva: casos de coronariopatias, acidentes vasculares cerebrais ou doenças vasculares periféricas em pais, avós, tios e irmãos com menos de 55 anos (sexo masculino) e abaixo dos 65 anos (sexo feminino). Considera-se coronariopatias: angina que exija tratamento, infarto agudo do miocárdio, casos de morte súbita, coronariopatia comprovada com estudo hemodinâmico, revascularização miocárdica (cirúrgica ou por angioplastia com stent) e insuficiência cardíaca por coronariopatia. Relato de pais com dosagem do colesterol sérico acima de 240mg/dl.
  • Pacientes que, com história familiar ou não, mas que apresentem dois outros fatores de risco, tais como: obesidade, sedentarismo, tabagismo, diabetes, hipertensão.
  • Pacientes que são filhos adotivos e desconhecem a história familiar.

Caso o valor do colesterol encontrado esteja acima de 170mg/dl, deve-se repetir a dosagem, solicitando-se o lipidograma completo: colesterol total e frações e triglicerídeos. O resultado deve ser avaliado utilizando-se as tabelas específicas por idade. Resultados com valores acima dos valores de referência devem ser repetidos. Medidas terapêuticas específicas devem ser instituídas se a média das duas últimas avaliações persistirem acima dos valores considerados normais.

 

TRATAMENTO

A- Terapia Nutricional

A terapia nutricional deve ser considerada a primeira medida terapêutica em todas as crianças e adolescentes com dislipidemia documentada. Entretanto, a eficácia da recomendação de dietas com baixo teor lipídico permanece baixa48. Nenhuma restrição de gorduras ou colesterol deve ser recomendada em crianças com menos de dois anos de idade, época de rápido crescimento e desenvolvimento e, conseqüentemente, maior necessidade calórica49. O plano alimentar deve considerar a idade, para que não haja prejuízos no crescimento e desenvolvimento. É recomendável contemplar questões culturais, regionais, sociais e econômicas, devendo ser visualmente atraente e com paladar agradável. A primeira opção deve ser a dieta com baixos teores em gordura saturada e colesterol. Em 2002, a American Heart Association, com base no Commitee on Atherosclerosis, Hypertension and Obesity in theYoung (AHOY), sugeriu um algoritmo para tratamento das dislipidemias de acordo com o risco individual e o perfil lipídico obtido. Desta forma, todas as crianças com LDL-C > 130mg/dl devem ser acompanhadas.

B- Atividade Física

A atividade física constitui medida auxiliar para o controle das dislipidemias e tratamento da doença arterial coronária. A prática de atividade de exercícios físicos aeróbicos promove redução dos níveis plasmáticos de triglicerídeos, aumento dos níveis de HDL-C, porém sem alterações significativas sobre a concentração de LDL-C. De uma maneira geral, devemos conciliar a atividade de forma prazerosa para que a assimilação seja incorporada desde cedo e exercida de forma regular.

C- Tratamento Medicamentoso das Dislipidemias

Os pacientes que devem ser selecionados são os de alto risco que mantém LDL-C acima de 130mg/dl. Nestes casos recomenda-se uma monitorização contínua da dieta e acompanhamento clínico e laboratorial.

O uso de medicamentos só deve ser considerado em crianças abaixo de 10 anos quando não houver resposta por um mínimo de 6-12 meses de terapia nutricional e exercícios.

O tratamento farmacológico deve ser considerado em crianças com LDL-C persistente em níveis >190mg/dl ou naquelas com LDL-C de 160mg/dl na presença de fatores de risco como história familiar de coronariopatia precoce. O objetivo é manter LDL-C abaixo de 130mg/dl, com ponto ideal em torno de 110mg/dl50.

 

 

Escolha do Medicamento:

a - Resinas quelantes dos ácidos biliares

Muito utilizadas no passado. Esses agentes ligam-se aos ácidos biliares na luz intestinal e diminuem sua recaptação, reduzindo, assim o colesterol. Utilizadas mais em crianças pela segurança uma vez que não são absorvidos.

Dose: 4-5g/dia

Efeitos colaterais: aumento dos níveis de triglicerídeos e interferem na absorção de vitaminas lipossolúveis e algumas medicações.

Recomenda-se complementação de ácido fólico e vitamina D

Limitações: queixas gastrointestinais (flatulência, dor, diarréia, etc.), sabor desagradável com pouca aceitação pelas crianças

b - Inibidores da HMG CoA redutase (estatinas)

As estastinas têm revolucionado o tratamento das dislipidemias, reduzindo a mortalidade por doença cardiovascular aterosclerótica em adultos. O seu uso só deve ser considerado em crianças acima de 10 anos, embora existam estudos em escolares com hipercolesterolemia familiar com resultados satisfatórios e sem efeitos adversos sobre o crescimento e maturação sexual9. Elas atuam diminuindo a síntese do colesterol endógeno, depletando o pool intracelular de colesterol e, conseqüentemente, disponibilizando um maior número de receptores de LDL-C com diminuição da LDL-C circulante.

Devem ser administradas por via oral, em dose única diária, preferencialmente à noite para os fármacos de curta meia-vida ou em qualquer horário naqueles com meia vida maiores, como a atorvastatina e a rosuvastatina. Os efeitos adversos são raros, sendo os de maior gravidade a hepatite, miosite e a rabdomiólise. Desta forma recomenda-se a dosagem dos níveis basais de creatinofosfoquinase (CK), de transaminases e a repetição na primeira reavaliação e a cada aumento da dose. As meninas devem ser advertidas quanto à necessidade de usar contraceptivos, pois a gravidez contra-indica o seu uso.

c - Ezetimiba

Inibe a absorção de colesterol que atua na borda em escova das células intestinais, inibindo a ação da proteína transportadora. Têm sido observados melhores resultados quando empregada em associação com as estatinas, e devem ser utilizadas apenas em situações especiais.

Dose: única diária- 10mg/dia

Segundo a Academia Americana de Pediatria o uso de estatinas deve ser considerado em crianças com idade superior a 8 anos, com LDL > 190 mg/dL (ou > 160 mg/dL com história familiar de doença cardíaca ou > 130 mg/dL se diabetes mellitus estiver presente ou se houver 2 fatores de risco adicionais), principalmente se não houver adesão a alterações na dieta nem mudanças no estilo de vida. Sabe-se hoje que as estatinas estão sendo prescritas nos EEUU para crianças a partir dos 8 anos de idade e que das ~ 75.000.000 de crianças abaixo dos 18 anos de idade estima-se que 17.000 podem estar em uso de estatinas51.

Um interessante artigo aborda a controvérsia no tratamento farmacológico de crianças com estatinas. Uma coisa é tratar os raros casos de crianças com defeito herdado no metabolismo do colesterol, outra é estender o uso de estatinas para crianças com risco de DCV por fatores modificáveis no estilo de vida. Atualmente não se sabe quantas crianças ou adolescentes preencherão os critérios para tratamento com estatinas pelos efeitos da obesidade, dieta inadequada ou sedentarismo. Cabe avaliar se o tratamento da obesidade na infância incorporará um poderoso arsenal de drogas usadas em adultos: betabloqueadores e diuréticos para hipertensão, aspirina para coagulopatias, insulina para diabetes e assim por diante. Uma vez que esta porta foi aberta, a indústria farmacêutica passará alegremente por ela. Será que ao invés de advertências sobre os perigos de fast food estaremos assistindo novos comerciais promovendo o uso de drogas redutoras de colesterol em crianças? Cabe uma reflexão sobre o imenso abismo existente entre tratar doenças com drogas e nossa relutância em instituir medidas preventivas de saúde pública52.

A Academia Americana de Cardiologia não utiliza mais os termos dieta fase I e II como referências para dietas saudáveis para o coração. A dieta fase I restringia a gordura total para não mais do que 30% do total de calorias, gordura saturada não mais do que 10% das calorias e o total de colesterol devia ser menor do que 300 mg/dia. A dieta fase II preconizava menos de 7% de gordura saturada e o total de colesterol menos do que 200 mg/dia. Atualmente é utilizada a dieta I para a população em geral, a dieta fase II para pacientes com níveis de colesterol considerados de alto risco (240 mg ou mais) ou que tenham antecedentes de IAM. Para pacientes com alto risco ou que sabidamente tenham doença cardiovascular é recomendada uma dieta com mudanças terapêuticas do estilo de vida (do inglês TLC - Therapeutic Lifestyle Changes diet). Em crianças e adolescentes devemos calcular as calorias sempre em quantidade suficiente para promover crescimento e desenvolvimento normais e garantindo a manutenção ou ganho ponderal, conforme for o caso.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As concentrações de lipídios e de lipoproteínas aumentam durante a lactância, atingindo valores próximos aos dos adultos jovens por volta dos dois anos de idade. Este dado é importante para realização de recomendações de screening, visto que valores obtidos antes dos dois anos podem não refletir valores dos anos subseqüentes da infância ou valores do adulto. Estando estes valores dentro da normalidade, deve ser incentivada uma dieta saudável e estimulação da atividade física, não esquecendo que o prazer do esporte é fundamental para a consolidação do hábito de praticar exercícios. Também deve ser reforçado o combate ao tabagismo e limitado o número de horas em frente ao monitor de TV/computador/videogame. No início da adolescência, toda criança a partir dos 10 anos de idade deve ter uma determinação do colesterol total. Caso haja fatores de risco familiares (doença arterial coronariana, HAS, dislipidemias), é indicado um lipidograma completo. Para valores de colesterol entre 150 e 170 deve ser orientado aos pais mudanças no estilo de vida, devendo o exame ser repetido anualmente. Valores acima de 170 já indicam a realização de análise completa dos lipídios e medidas de intervenção nas comorbidades existentes.

 

 

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AVALIAÇÃO

1. O aumento na incidência das doenças crônico degenerativas do adulto muitas vezes tem sua origem na infância. Dentre as principais causas podemos citar:

a) obesidade e dislipidemias
b) tabagismo e stress
c) sedentarismo e uso de drogas
d) erro alimentar e hipertensão arterial

2. Atualmente os níveis preconizados como ideais ou desejáveis para crianças e adolescentes no perfil lipídico, em mg/dL, são:

a) CT <150, HDL > 45, LDL < 120, TG < 120
b) CT <150, HDL > 45, LDL < 130, TG < 150
c) CT < 150, HDL > 45, LDL < 100, TG < 100
d) CT < 100, HDL > 45, LDL < 120, TG < 110

3. Embora sempre seja recomendado atividade física e hábitos alimentares saudáveis na prevenção de dislipidemias, pode ser necessário introduzir uma estatina. Isto pode ser feito a partir dos:

a) 6 anos de idade
b) 8 anos de idade
c) 10 anos de idade
d) 12 anos de idade

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