Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 23(3) - Setembro 2023

Artigo Original

Comparação do teste de espirometria entre diferentes estados nutricionais e os valores preditos de referência: um estudo transversal em indivíduos de 7 a 14 anos numa população brasileira

Comparison of spirometry test between different nutritional states and predicted reference values: a cross-sectional study in a 7 to 14-year-old Brazilian population

 

Isabela de Andrade Lindner; Júnior Kahl; Franciani Rodrigues da Rocha

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v23i3p73-81

Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI, Núcleo de Pesquisa em Ciências Médicas: investigações em saúde - NPCMed - Rio do Sul - SC - Brasil

 

Endereço para correspondência:

franciani@unidavi.edu.br

Recebido em: 24/11/2022
Aprovado em: 24/08/2023

 

Resumo

OBJETIVO: Este estudo tem como objetivo comparar o teste de espirometria entre diferentes estados nutricionais e os valores preditos de referência em uma população brasileira de 7 a 14 anos.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, de investigação sobre achados do teste de prova de função pulmonar (espirometria) em crianças de 7 anos até adolescentes de 14 anos. Foram observados os dados antropométricos e volumes pulmonares do exame. Para a comparação dos achados, os indivíduos foram agrupados por sexo e classificação do IMC. Ademais, estes achados foram comparados a equações de valores preditivos.
RESULTADOS: Foram avaliadas 164 espirometrias de crianças e adolescentes. A média de idade foi de 11,2±2,3 anos, sendo 54,3% meninos e 53% classificados como eutróficos. Foi evidenciado que meninas obesas possuem menor volume de CVF e VF1, e nos meninos a diminuição do volume foi observada em crianças com baixo peso e obesidade. Em ambos os sexos, as crianças e adolescentes classificadas com sobrepeso apresentam maiores volumes de CVF e VEF1. As meninas, independentemente do estado nutricional, apresentam volumes de CVF e VEF1 inferiores ao predito pela literatura, e nos meninos classificados como eutróficos observa-se esta diminuição relacionada a todos os valores preditivos.
CONCLUSÃO: Diante dos diferentes valores preditivos para o exame de espirometria, evidencia-se a necessidade de maiores confirmações acerca dos valores esperados no teste, afinal o exame de espirometria é um subsídio importante à prática clínica e direcionamento de terapêutica em indivíduos com problemas respiratórios.

Palavras-chave: Espirometria. Valores de referência. Índice de Massa Corporal.


Abstract

OBJECTIVE: This study aims to compare the spirometry test between different nutritional states and the predicted reference values in a Brazilian population aged 7 to 14 years.
METHODS: This is a cross-sectional study, investigating findings from the pulmonary function test (spirometry) in children aged 7 years to adolescents aged 14 years. Anthropometric data and lung volumes from the examination were observed. To compare findings, individuals were grouped by sex and BMI classification. Furthermore, these findings were compared to predictive value equations.
RESULTS: 164 spirometry tests of children and adolescents were evaluated. The average age was 11.2±2.3 years, with 54.3% being boys and 53% classified as eutrophic. It was shown that obese girls have a smaller volume of FVC and VF1, and in boys a decrease in volume was observed in underweight and obese children. In both sexes, children and adolescents classified as overweight have higher FVC and FEV1 volumes. Girls, regardless of nutritional status, have FVC and FEV1 volumes lower than predicted by the literature, and in boys classified as eutrophic, this decrease is observed related to all predictive values.
CONCLUSION: Given the different predictive values for the spirometry test, there is a need for further confirmation regarding the expected values in the test, after all, the spirometry test is an important support for clinical practice and guidance for therapy in individuals with respiratory problems.

Keywords: Spirometry. Reference Values. Body Mass Index.

 

Introdução

Os diferentes estados nutricionais resultam em diversas respostas do indivíduo aos seus fatores de exposição, pois a manutenção da homeostase e o normal funcionamento do organismo dependem diretamente do equilíbrio entre demanda e oferta nutricional.1,2

A desnutrição faz uma relação de maneira cíclica com as doenças respiratórias crônicas, de modo que o paciente com baixo peso fica mais suscetível a infecções e à exacerbação da doença de base, devido ao déficit que a desnutrição causa à imunidade e ao aparelho respiratório. Da mesma forma, a perda de peso durante as crises, ou causada pela própria doença de base, é capaz de reduzir sua função respiratória e atividade muscular.1,2,3 Já o oposto, como o excesso de peso, também pode causar danos e prejuízos ao indivíduo. Neste contexto, estão relacionadas à obesidade várias alterações metabólicas e estruturais, responsáveis pela maior suscetibilidade a outras doenças.4,5,6

Além do mais, o excesso de depósito de gordura corporal causa um aumento de tecido adiposo na parede torácica e cavidade abdominal, responsável pela redução da mecânica respiratória, devido ao déficit de expansibilidade do tórax que eleva e compromete a mobilidade do diafragma, compatível com um padrão restritivo na ventilação do paciente obeso, mesmo que assintomático.4,5,6

O teste de função pulmonar, também conhecido por espirometria, entra neste cenário como uma ferramenta essencial para avaliar a capacidade funcional pulmonar dos indivíduos. Esse teste faz parte da rotina médica para o controle do tratamento e manuseio do paciente. É não invasivo e de baixo custo.5,6,7-9

Este estudo tem como objetivo comparar o teste de espirometria entre diferentes estados nutricionais e os valores preditos de referência em uma população brasileira de 7 a 14 anos.

 

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário de Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí, sob o parecer no 4.372.392. Nesta pesquisa, foi realizada uma coleta retrospectiva por análise de prontuários de exames de espirometria efetuados numa clínica de referência da região do Alto Vale do Itajaí, Santa Catarina, Brasil, entre janeiro de 2017 e dezembro de 2020.

Os critérios de inclusão para o estudo foram os exames realizados entre o período supracitado, com a prova do broncodilatador, com indivíduos com idade de 7 a 14 anos.

Essa clínica utiliza o aparelho espirômetro da marca CareFusion, com o Spirometry PC software V2.5.4.0, executado por técnicos capacitados e laudados pelo médico especialista da clínica, o que diminui o risco viés nas conclusões dos achados do estudo.

Todos os indivíduos, ao chegarem na clínica, indiferentemente da idade, permanecem em repouso por pelo menos 15 minutos; após esse período, o indivíduo é orientado a permanecer sentado, em boa postura, fazendo uso do clipe nasal, a fim de evitar perdas de fluxo por via nasal. O técnico utiliza incentivos visuais disponibilizados pelo software do espirômetro com ilustrações lúdicas sobre cada etapa do sopro. São realizadas manobras para obter pelo menos três bons sopros, sendo aceitas as melhores curvas. Os testes, quando reprodutíveis, são selecionados utilizando-se os padrões exigidos pelos critérios da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.8

Para o presente artigo, foram selecionados os exames de pacientes entre 7 e 14 anos. Esses pacientes foram separados em grupos por sexo (meninas e meninos) e subdivididos segundo a classificação do IMC, sendo: baixo peso; eutrófico; sobrepeso e obesidade. A distribuição dos grupos pelo IMC foi realizada segundo orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo classificados como: baixo peso: índice IMC/idade com valor < percentil 3; eutrófico: valores ≥ que o percentil 3 e < ao percentil 85; sobrepeso: valores ≥ ao percentil 85 e < ao percentil 97, e, obeso(a): valores ≥ ao percentil 97.10

Para análise dos achados de volumes de função pulmonar, foram extraídos dos exames os valores de CVF e VEF1 baseline do teste de função pulmonar (espirometria), ambos em litros (L), e os respectivos valores preditos também fornecidos pelo exame por Pereira et al.11 Ressalta-se que o comparativo fornecido no laudo do exame é uma referência para indivíduos entre 6 e 19 anos, o que evidencia uma necessidade de normalidade para crianças e adolescentes. As outras comparações da CVF e VEF1 foram advindas das equações de Hsu et al.,12 Polgar e Promadhat,13 e Mallozi (1996),14 mencionadas na pesquisa de Drumond et al.15 Essas fórmulas foram calculadas no software Microsoft Excel (Quadro 1). A organização das informações necessárias para o cálculo foi organizada na seguinte ordem: casela A (sexo, sendo considerado: 1 (meninos) e 2 (meninas); casela B (altura em centímetros), casela C: idade em anos, casela D (peso em quilos).

 

 

A análise inferencial dos dados foi realizada no software SPSS. Para a análise da inferência estatística, realizou-se inicialmente o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Para as comparações entre meninos e meninas, utilizou-se do Teste U de Mann Whitney. Para as comparações das classificações do IMC entre os grupos, optou-se pelo teste One-Way ANOVA ou teste H de Kruskal-Wallis. Para a comparação dos achados de base com os valores preditos de referência, utilizou-se o teste t de Student para amostras pareadas, diante da distribuição normal das variáveis.11, 12, 13, 14 Foi adotado como nível para significância estatística um p-valor α = 0,05 (p≤0,05).

 

Resultados

A amostra do presente estudo foi composta por 164 crianças e adolescentes, com idade entre 7 e 14 anos. Destes, 75 (45,7%) são meninas, com média de idade de 11,7±2,2 anos e 89 (54,3%) são meninos, com média de idade de 10,8±2,3 anos.

Foi evidenciada uma variação de altura de 115 cm a 179 cm, com uma média de 151,4±14,62 cm dos pacientes; o peso variou de 19 Kg a 97 Kg, com média de 47,69±14,63 Kg; já a variação de IMC teve mínimo de 12 Kg/m² e máxima de 39 Kg/m², com média 20,46±4,50 Kg/m². Quanto ao estado nutricional, três crianças (1,8%) apresentaram baixo peso, 87 crianças (53%), eutróficas, 33 crianças (20,1%) sobrepeso e 41 crianças (25%), obesas.

Para a comparação dos achados da espirometria entre os diferentes estados nutricionais, nesta pesquisa foram analisados separadamente os achados das meninas e dos meninos. Na Tabela 1, observa-se que na variável altura das meninas classificadas como eutróficas (155,88±1,81cm), houve uma média maior em comparação com as meninas obesas (146,93±14,23cm) (p=0,05), assim como as meninas com sobrepeso (154,24±10,63cm) em comparação com as obesas (p=0,01).

 

 

Na variável peso e IMC das meninas eutróficas (12,33±2,28kg/m2), estas apresentaram tendência a um peso menor em comparação com as meninas com sobrepeso (22,81±2,26kg/m2) e obesas (25,15±2,98kg/m2) (p=0,01). Nesta variável, houve diferença entre as meninas com sobrepeso e obesidade. Quanto aos meninos, em relação à idade, observa-se que aqueles com sobrepeso tiveram uma média de idade maior (12,06±1,73 anos) em comparação com os meninos classificados como obesos (10,04±2,05 anos) (p=0,04). Na variável peso, os meninos eutróficos (39,02±12,63kg) tiveram tendência à diminuição, em comparação com os meninos com sobrepeso (53,63±10,40kg) e obesos (55,77±18,40kg) e, por consequência, na variável IMC (p=0,01). Nos meninos, houve diferença nos achados da espirometria nos valores de CVF (L) e VEF1 (L). Observa-se que os meninos com sobrepeso possuem uma média maior destes parâmetros em comparação com as demais classificações do IMC. Em relação a CVF dos meninos com sobrepeso (3,00±0,76L), houve diferença entre os meninos com baixo peso (1,46±0,66L), eutróficos (2,13±0,90L) e obesos (2,10±0,83) (p=0,01); e quanto aos achados do VEF1 dos meninos com sobrepeso (2,52±0,67L), estes tiveram uma tendência ao aumento em comparação aos meninos eutróficos (1,94±0,85) e obesos (1,81±0,65) (p=0,01).

A Figura 1 apresenta a comparação, separadamente, dos IMCs dos diferentes grupos das meninas dos valores da CVF (L) e da VEF1 (L) em comparação com o predito no teste10 e os valores advindos da equação de Hsu et al.,12 Polgar e Promadhat13 e Mallozi.14

 


Figura 1. Comparação dos achados do Baseline da espirometria das meninas referente a CVF (L) e VEF1 (L) com o predito pelas equações de normalidade Legenda: Comparação com o predito pelas equações dos autores Hsu et al., 1979. Polgar e Promadhat., 1971; Mallozi 1996 e Pereira (2006) nas diferentes classificações de IMC. Método Estatístico Empregado: Teste t de Student para Amostras Pareadas. Legenda: CVF: Capacidade Vital Forçada; VEF1: Volume Expiratório Final. #p-value: p=0,01; *p-value: p=0,05.

 

Nas três diferentes classificações de IMC, a média dos valores da CVF e de VEF1 foram inferiores ao achado das equações evidenciadas pela literatura, destacando-se a diferença estatisticamente significativa nos quatro parâmetros nas meninas do grupo eutrófico, CVF (2,35±0,65L) e VEF1 (2,12±0,61L) (p≤ 0,01).

Nas meninas com sobrepeso, a CVF (2,49±0,67L) e VEF1 (2,32±0,59L) apresentaram tendência a menor média em comparação ao predito por Hsu et al.12 e Polgar e Promadhat13 (p≤ 0,01) e Mallozi14 (p≤ 0,05). E nas meninas obesas, a CVF (2,08±0,86) foi inferior estatisticamente em relação ao predito por Hsu et al.12 e Polgar e Promadhat13 (p≤0,01) e Mallozi14 (p≤0,05); já VEF1 (1,93±0,84), apenas com Hsu et al.12 e Polgar e Promadhat13 (p≤0,01) (Figura 1).

A Figura 2 apresenta os achados dos meninos. Nos meninos com baixo peso, não houve evidências estatísticas suficientes de diferenças entre o predito de normalidade. Nos meninos classificados como eutróficos, observa-se uma tendência à diminuição estatisticamente significativa da CVF (2,13±0,90L) e VEF1 (1,94±0,85L) nos meninos eutróficos em comparação com o predito.11-14

 


Figura 2. Comparação dos achados do baseline da espirometria das meninos referente a CVF (L) e VEF1 (L) com o predito pelas equações de normalidade. Comparação com o predito pelas equações dos autores Hsu et al., 1979. Polgar e Promadhat., 1971; Mallozi 1996 e Pereira (2006) nas diferentes classificações de IMC. Método Estatístico Empregado: Teste t de Student para Amostras Pareadas. Legenda: CVF: Capacidade Vital Forçada; VEF1: Volume Expiratório Final. #p-value: p=0,01; *p-value: p=0,05.

 

Nos meninos classificados como sobrepeso, observou-se diferença estatisticamente significativa na CVF (3,00±0,76) apenas com as equações de Hsu et al.12 (p≤0,01), Polgar e Promadhat13 (p≤0,05) e VEF1 (2,52±0,68); e ainda Hsu et al.12 e Polgar e Promadhat13 (p≤0,01). Já para nos meninos obesos, tanto a CVF (2,10±0,83L) quanto o VEF1 (1,81±0,65L) foram estatisticamente inferiores ao previsto por Hsu et al.,12 Polgar e Promadhat13 e Mallozi14 (p≤ 0,01) (Figura 2).

 

Discussão

No presente estudo, foram utilizados testes de espirometria realizados por crianças entre 7 e 14 anos de idade, utilizando também a comparação da capacidade pulmonar entre os sexos e em diferentes estados nutricionais: baixo peso, eutróficas, sobrepeso e obesas.

Os achados desta pesquisa demonstram maior prevalência de meninos que realizam o teste. Mais de 50% dessas crianças estão classificadas como eutróficas, porém, somando-se os indivíduos com sobrepeso e obesidade, há uma prevalência de 45,1% das crianças acima do peso ideal.

Estudo realizado por Drumond et al.,15 que também procurou evidências sobre os achados em testes de espirometria com o predito de normalidade, apresentou achados de crianças com média de idade de 10 anos. Dorneles et al.,16 em sua pesquisa sobre os valores de espirometria em crianças e adolescentes de baixa estatura, observaram uma média de idade de 12,4±2,7 anos; com média de altura de 133,3±13,2cm e peso 30,9±8,5kg. Na revisão sistemática (RS) de Winck et al.,17 a idade variou entre 6 e 19 anos, com maior prevalência do sexo masculino 296 (54%). Os indivíduos obesos, tanto do sexo feminino quanto do masculino, são os de menor idade (média de 9,47±1,68 para meninas e 10,04±2,05 para meninos), demonstrando um comportamento de crianças mais jovens com IMC elevado.

O aumento de IMC em idades inferiores em crianças em idade escolar evidenciados nesta pesquisa corroboram o justificado por Santos,18 que em sua pesquisa investigou fatores socioeconômicos que podem influenciar na vida dessas crianças. O autor cita a maior procura destes por brincadeiras passivas atualmente, comparada com as brincadeiras de maneira mais ativas quando não se contava com o acesso à tecnologia de maneira facilitada para o lazer.18

Quanto aos volumes pulmonares avaliados na espirometria, nas meninas não houve evidências estatísticas suficientes para evidenciar comparativos entre as meninas eutróficas, com sobrepeso e obesas. Já nos meninos, foram observadas duas variáveis com significância estatística: CVF e VEF1. Na CVF, destacaram-se os meninos com baixo peso, eutróficos, sobrepeso e obesos, de maneira que ao comparar os meninos com baixo peso e sobrepeso, houve uma diferença de 1,54 L a mais nos meninos com sobrepeso, em comparação aos meninos com baixo peso; entre os meninos eutróficos e sobrepeso, observa-se uma diferença de 0,87 L a mais em meninos com sobrepeso; e entre os meninos com sobrepeso e obesidade, uma diferença de 0,9 L a mais.

Evidencia-se, assim, que os meninos com sobrepeso possuem volume de CVF superior aos meninos com baixo peso, eutróficos e obesos, associado de forma diferente ao proposto pela pesquisa de Forno et al.19 Os pesquisadores realizaram uma RS para avaliar a relação entre o excesso de peso e a obesidade, tanto de crianças quanto de adultos. Nos adultos, a porcentagem da CVF prevista diminuiu 2,2% entre os indivíduos com sobrepeso/obesidade, em comparação com os adultos com peso normal. Esse decréscimo foi significativo nos adultos, embora não tenha sido evidenciado nas crianças.19

Ladoski et al.,20 em outro critério investigativo de pesquisa, semelhante a esta, analisaram 185 pacientes de ambos os sexos com idade de 6 a 17 anos e subdividiram em dois grupos (masculino e feminino) e faixa etária: < 10 anos (pré-púbere); <10 a 13 anos 11 meses (pré-púbere) e >14 e < 16 anos e 11 meses (pós-púbere). Nessa pesquisa, observaram que na fase pré-púbere, os meninos possuem valores teóricos para CVF maiores, mas não significativos. Já na fase pré-púbere, a CVF foi idêntica em ambos os sexos; e na fase pós-púbere, os meninos tiveram média maior da CVF, não significativa.20

Na variável VEF1 observada na espirometria, evidenciam-se diferenças nos meninos. Observam-se diferenças estatísticas entre os meninos classificados como eutróficos, com sobrepeso e obesos. Entre os meninos eutróficos e com sobrepeso, aqueles com sobrepeso tiveram 0,58 L a mais em comparação com os classificados como eutróficos. Quanto aos meninos com sobrepeso e obesidade, a diferença foi de 0,71 L a mais para aqueles com sobrepeso. Assim, evidencia-se nessa pesquisa que o VEF1 foi maior em meninos com sobrepeso, o mesmo ocorrendo na CVF.

Destaca-se, diante desses achados dos volumes pulmonares, que apesar de não ter sido evidenciada diferença significativa na variável altura, os meninos classificados com sobrepeso são mais altos, o que pode justificar os valores de CVF e VEF1 mais altos e significativos em comparação às demais classificações de IMC.

No estudo de Drumond et al.,15 os valores de VEF1 foram maiores no grupo obeso em relação ao eutrófico dos meninos (p=0,02). Os autores também evidenciaram que seus achados estão abaixo do previsto por Hsu et al.12 e Polgar e Promadhat.13 Isso corrobora nossa pesquisa, a qual evidenciou que os achados dos valores encontrados no teste basal estão abaixo da normalidade predita enquanto normalidade do próprio exame,11 assim como no predito pelas equações dos autores.11-13,15

Observa-se que os volumes preditos por Pereira11 são os menores volumes, seguidos do predito por Mallozi,14 Polgar e Promadhat13 e Hsu et al.14 Essas diferenças nas estimativas possuem relação com a própria fórmula da predição dos valores; além do mais, Mallozi14 e Pereira11 fazem estimativas nas idades de 7 a 14 anos na população brasileira diferentes de Hsu et al.12 e Polgar e Promadhat.13 O primeiro estudou crianças americanas de distintos grupos étnicos (brancos, negros e méxico-americanos), encontrando entre eles diferenças em volumes na espirometria, seguindo, portanto, como uma referência para esse público em especial; já o segundo estudo teve sua importância como referência nos Estados Unidos e Europa.11-15

Em uma breve comparação entre as equações, pode-se avaliar que tanto Polgar e Promadhat13 quanto Hsu et al.12 utilizam apenas a altura como variável independente para calcular o valor predito da função pulmonar, não trazendo importância para a variável IMC, enquanto Mallozi14 utilizou, além de altura, o peso e a idade como variáveis, demonstrando maior capacidade da equação para adequar o predito em populações sob distintas influências genéticas, como a brasileira.12-15

A tese de Mallozi14 evidencia que os valores obtidos da CVF dos meninos são próximos aos valores obtidos por Polgar e Promadhat,13 que, por outro lado, encontram-se igualmente inferiores à análise de Hsu et al.12 Ao comparar aos valores de CVF do grupo de meninas, Mallozi,14 em sua tese defende que os valores de Polgar e Promadhat13 encontram-se intermediários entre sua proposta de predito e Hsu et al.,12 achados que corroboram os valores encontrados no atual estudo.12-14

Diferentemente dos achados de Drummond15 e desta pesquisa, Ladoski et al.20 demonstraram que a VEF1 possui diferença estatisticamente significativa entre as equações de Polgar e Promadhat13 e Mallozi,14 no qual a média de Polgar e Promadhat13 foi inferior em ambos os sexos. Já na fase pós-púbere, os meninos tiveram uma média maior da CVF, não significativa, e para VEF1 houve diferença estatística somente para o sexo feminino, em que a média de VEF1 de Polgar e Promadhat13 foi menor do que a de Mallozi.14

Corroborando a pesquisa de Ladoski et al.,20 os mesmos avaliaram os valores da espirometria de crianças e adolescentes de baixa estatura, sem doenças respiratórias, com o predito por Polgar e Promadhat.13 Nos achados, observaram que a média de VEF1 foi de 2,42±0,71 L, e o previsto era de 2,10±0,64 L. A média da CVF foi de 2,20±0,6 L, e o previsto era de 1,90±0,55 L. Diante disto, essas pesquisas evidenciaram que as crianças com baixa estatura possuem valores da CVF e VEF1 superiores ao predito por Polgar e Promadhat.13

Forno et al.,19 ao revisarem 12 estudos incluídos na RS que descreviam a relação do VEF1/CVF, observaram que a CVF foi menor entre crianças com sobrepeso e obesidade. Nesta pesquisa, foi observado que os menores índices volumétricos estão em sua maioria relacionados com as crianças e adolescentes com baixo peso e obesas. Tanto em CVF quanto em VEF1, as meninas classificadas como obesas e os meninos classificados com baixo peso e obesidade apresentaram os piores índices. Já em VEF1/CVF as meninas eutróficas e os meninos com sobrepeso obtiveram menor volume.

A RS de Winck et al.,17 que possuía como objetivo investigar os efeitos da obesidade no volume e capacidade pulmonar em crianças e adolescentes, demonstrou que todos os estudos incluídos apresentaram que a obesidade possui efeito negativo no volume e capacidade pulmonar, principalmente na redução da CRF em 75% dos estudos, do volume de reserva expiratório em 50% e do volume residual em 25%.

Diante dos achados nesta pesquisa e das evidências já mencionadas na literatura acerca de equações preditoras de normalidade para os exames de espirometria, percebe-se que há uma necessidade significativa na determinação de valores preditivos deste exame para diferentes idades, sexo, raça, dados antropométricos e até mesmo relacionado ao estado nutricional dos pacientes. Afinal, há uma diferença significativa em muitas das comparações realizadas acerca da classificação do IMC e os volumes pulmonares.

 

Conclusão

Diante dos diferentes valores preditivos para o exame de espirometria, evidencia-se a necessidade de mais confirmações acerca dos valores esperados no teste para crianças e adolescentes - afinal, o exame de espirometria é um subsídio importante à prática clínica e direcionamento de terapêutica a indivíduos com problemas respiratórios.

Existe uma escassez na literatura nacional e internacional sobre os valores de referência esperados para a idade, ainda mais relacionado aos dados antropométricos das crianças e adolescentes. Tais fatores impactam diretamente na capacidade respiratória. Ademais, os achados previstos enquanto normalidade para o resultado do exame são preditos para indivíduos de 6 a 19 anos, que é um intervalo de idade de grandes modificações em relação ao crescimento e desenvolvimento humano, assim como para os achados relacionados à capacidade vital pulmonar dessas crianças e adolescentes.

 

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