Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 23(2) - Junho 2023

Artigo Original

A ocorrência de fatores comportamentais sugestivos de ansiedade e depressão em crianças de 6 a 10 anos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil

The occurrence of behavioral factors suggestive of anxiety and depression in 6-10 year-old children during the Covid-19 pandemic in Brazil

 

Nathalia Falcão Carvalho1; Beatriz Gerchenzon Futer1; Lucas Lanzelotte Ceccareli1; Kelbert Dos Santos Ramos1; Elizabeth Alt Parente2

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v23i2p62-68

1. Universidade Estácio de Sá (discente), IDOMED - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
2. Universidade Estácio de Sá (docente), IDOMED - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil

 

Endereço para correspondência:

Nathalia Falcão Carvalho

Recebido em: 07/04/2023
Aprovado em: 25/06/2023

 

Resumo

A pandemia da Covid-19 tem gerado uma série de mudanças na vida das famílias e da sociedade de forma geral, impactando a saúde física e mental. O isolamento social e outras recomendações modificaram de forma significativa o cotidiano, reduzindo o convívio e as interações sociais e afetando a saúde mental das crianças. Este estudo busca analisar fatores comportamentais que se relacionem à ansiedade e à depressão em crianças na faixa etária de 6 a 10 anos durante a pandemia de Covid-19. Trata-se de estudo transversal qualitativo, com entrevistas semiestruturadas com pais e/ou responsáveis, analisando os dados através do método de análise de conteúdo de Bardin. Observou-se o aparecimento e/ou intensificação de algumas alterações comportamentais, como tensão, medo, estresse e ansiedade, com risco de repercussão em outras fases da vida. Para a população infantil, pode ser difícil compreender o cenário pandêmico e todas as implicações de correntes da Covid-19, principalmente quando se trata de crianças pequenas. Pode-se concluir que a pandemia resultou em um grande impacto na saúde mental das crianças, visto que gerou sintomas ansiosos e depressivos, além de alterações alimentares, distúrbios no sono e no uso de tecnologias, contribuindo consideravelmente para o aumento do uso de telas. Estudos no longo prazo serão necessários para avaliar todas as consequências, uma vez que alterações psicossociais e na esfera da linguagem já se fazem presentes.

Palavras-chave: COVID-19. SARS-CoV-2. Isolamento Social. Saúde Mental. Ansiedade. Transtornos do Comportamento Infantil.


Abstract

The Covid-19 pandemic has generated a series of changes in the lives of families and society in general, impacting physical and mental health. Social isolation and other recommendations have significantly modified daily life, reducing social interaction and social interactions and affecting children's mental health. This study seeks to analyze behavioral factors that relate to anxiety and depression in children aged 6 to 10 years during the Covid-19 pandemic. This is a qualitative cross-sectional study, with semi-structured interviews with parents and/or guardians, analyzing data through Bardin's content analysis method. The appearance and/or intensification of some behavioral alterations was observed, such as tension, fear, stress and anxiety, with a risk of repercussions in other phases of life. For the child population, it can be difficult to understand the pandemic scenario and all the implications arising from Covid-19, especially when it comes to young children. It can be concluded that the pandemic had a major impact on children's mental health, as it generated anxiety and depressive symptoms, in addition to dietary changes, sleep disorders and the use of technologies, contributing considerably to the increased use of screens. Long-term studies will be necessary to assess all the consequences, since psychosocial and language changes are already present.

Keywords: COVID-19. SARS-CoV-2. Social Isolation. Mental Health. Anxiety. Child Behavior Disorders.

 

Introdução

A Covid 19 é uma doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, identificado pela primeira vez em dezembro de 2019 em Wuhan, na China. A Organização Mundial da Saúde¹ declarou, no dia 30 de janeiro de 2020, emergência em saúde pública, e pandemia em 11 de março de 2020. Do ponto de vista epidemiológico, no dia 27 de fevereiro de 2021, foram confirmados 113.784.735 casos de Covid-19 no mundo. Os Estados Unidos foram o país com o maior número de casos acumulados (28.554.465), seguido pela Índia (11.096.731) e Brasil (10.517.232). Em território nacional foram notificados, de 26 de fevereiro de 2020 a 27 de fevereiro de 2021, 254.221 óbitos por Covid. O maior registro no número de novos casos em um único dia (87.843casos) ocorreu em 7 de janeiro de 2021 e a maior incidência de óbitos (1.595) ocorreu no dia 29 de julho de 2020.²

A pandemia da Covid-19 gerou uma série de mudanças na vida das famílias e da sociedade de forma geral, impactando não só a saúde física, mas também mental. A título de exemplo, o isolamento social e as demais recomendações, necessários para prevenção e diminuição da transmissão da doença, acabam por modificar de forma significativa o cotidiano, podendo resultar em tensão, medo, estresse e ansiedade.³ O estresse está principalmente relacionado ao volume de informações disponíveis, que nem sempre trazem dados claros em relação aos riscos, duração da pandemia, impacto na economia, entre outros.4 Em alguns casos, a incerteza sobre infecção, morte ou infecção de familiares e amigos pode potencializar estados mentais disfóricos. Além disso, é comum sentimentos de estigmatização para com indivíduos suspeitos ou confirmados de Covid-19, o que impacta a saúde mental.5

O isolamento no ambientee familiar causa perda de referências externas do contexto ampliado, ou seja, pela escola e pelo ambiente de trabalho. Isto requer vigilância redobrada da organização interna, tanto no sentido de estruturação do ambiente doméstico, quanto do fortalecimento dos recursos pessoais e da rede familiar.6 Como resultado do isolamento social, houve mudanças nos hábitos e rotinas das famílias, o que pode levar a diversas alterações na saúde mental em pessoas de todas as idades. Podem ser observados sintomas como dificuldade de concentração, irritabilidade e nervosismo.7

Para a população infantil, pode ser difícil compreender o cenário pandêmico e todas as implicações decorrentes da Covid-19, sobretudo quando se trata de crianças pequenas.8

É preciso refletir sobre como as questões macrossociais se relacionam com os desdobramentos causados pela doença e com o modo com que ela afeta os diferentes grupos sociais.9 Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi analisar fatores comportamentais que se relacionem à ansiedade e à depressão em crianças na faixa etária de 6 a 10 anos durante a pandemia de Covid-19.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo qualitativo, de característica exploratória (CAAE45945521.2.00005284). Os sujeitos da pesquisa foram crianças com idade entre 6 e 10 anos de abril a outubro de 2020, matriculadas em instituições de ensino públicas e privadas, recrutadas através de redes sociais.

Foram realizadas 26 entrevistas on-line com perguntas semiestruturadas, utilizando o questionário previamente confeccionado, junto aos pais e/ ou responsáveis. O objetivo foi analisar os sintomas e comportamentos apresentados pelas crianças, o impacto deles em suas vidas, buscando abranger também as condutas realizadas pelos responsáveis frente a esse quadro. A amostra foi determinada por critério de saturação, ou seja, até o momento em que as falas começaram a se repetir. Os dados encontrados nas entrevistas foram analisados por seu conteúdo e categorizados de acordo com os núcleos de sentido, metodologia desenvolvida por Lawrence Bardin.

Quanto ao embasamento teórico que norteia a discussão e o desenvolvimento deste trabalho, foi realizada a busca por artigos indexados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), PubMed e Latin American and Caribbean Health Science Literature (LILACS), publicados entre 2020 e 2022 nos idiomas português, inglês e espanhol, utilizando os seguintes descritores: "mental health pandemic", "saúde mental crianças'', "children's mental health COVID", "ansiedade em crianças na pandemia". Os sites utilizados para a pesquisa foram Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Pediatria, Instituto Desiderata e Fiocruz.

Foram utilizados 54 artigos após leitura dos resumos e dos textos completos. Os critérios de inclusão foram: crianças entre 6 e 10 anos residentes no Brasil, matriculadas em instituições de ensino públicas e privadas. E os critérios de exclusão: crianças com transtornos psiquiátricos previamente diagnosticados e crianças fora da faixa etária estipulada durante a pandemia no período elencado (abril a outubro de 2020).

 

Resultados/ discussão

O Quadro 1, elaborado pelos autores, contém as perguntas aplicadas, as categorias e os núcleos de sentido, como preconiza a análise de conteúdo desenvolvida por Bardin.

 

 

A partir dos dados coletados e sua categorização, demonstram-se a seguir os resultados obtidos ao longo da pesquisa, contextualizando-os com a literatura revisada:

1. Percepção do padrão comportamental e da saúde mental

De acordo com Da Mata et al.,10 é preciso avaliar o contexto em que a criança está inserida, uma vez que a vivência e a situação de isolamento social podem influenciar seu desenvolvimento global. Dessa forma, é possível dizer que os impactos emocionais causados pela Covid-19 podem influenciar no desenvolvimento psicológico da criança devido à maior vulnerabilidade dessa população.¹¹

A pandemia causada pelo SARS-COV-2 causou notória preocupação com a ansiedade das crianças de acordo com as respostas do estudo, sendo ressaltados alguns fatores como distanciamento social, sentimentos de incerteza e insegurança passados pelos cuidadores ou responsáveis. É importante destacar que as dificuldades e estresse, em longo período, podem prejudicar o apoio e suporte a essa população, com a piora do quadro de ansiedade, de maneira que possa danificar o desenvolvimento a nível sistêmico.

Determinadas mudanças durante a pandemia influenciaram negativamente a saúde mental das crianças com risco de repercussão em outras fases da vida. O distanciamento social, por exemplo, afetou diretamente o convívio e as interações sociais tornando-se um dos principais motivos pela mudança de rotina da sociedade em geral.¹²

A partir da perspectiva de Gomes,¹¹ é necessário discernir as reações manifestadas, uma vez que deve ser evitado o diagnóstico patológico, sobretudo quando forem adaptativas ou devido a problemas sociais que são confrontados de forma coletiva.

2. Relações interpessoais/ convívio social das crianças

O distanciamento social foi um dos recursos utilizados na tentativa de conter a transmissão da Covid-19. Nesta condição, intensificou-se o convívio familiar, acompanhado das dificuldades devido à sobrecarga de demandas do trabalho dentro e fora de casa. Frequentemente, o cuidado das crianças era compartilhado com uma rede de apoio (avós e outros familiares, por exemplo), sendo utilizadas mais tecnologias como recursos de ocupação, além da falta de espaço para brincarem sozinhos, ou até mesmo fazerem atividades que gostassem com tranquilidade, poderia aumentar a tensão do vínculo.³

As crianças devem ser conscientizadas sobre a doença para uma melhor compreensão das medidas restritivas e protetivas, visando reduzir a perda de suas relações sociais e afetivas. Foi exposto por Xuedi Li13 que a tendência de maior uso da TV, mídias digitais e videogame está relacionada a níveis mais altos de ansiedade, depressão e desatenção, além de irritabilidade e hiperatividade. Com base nisso, é válida a atenção dos pais para que estas atividades sejam limitadas e haja maior incentivo à realização de atividades físicas, da do que foi exposto por Tandon14 e relacionado à melhora da saúde física e mental das crianças.

Em conformidade com nosso estudo, o convívio com irmãos e primos dentro de casa foi um fator importante para algumas gerações de conflito, mas também influenciou a manutenção de um contato social e fortalecimento de laços de amizade. Para Rodrigues e Lins,15 a saúde mental é assimilada a partir do ambiente social em que a pessoa está inserida, assim como o período de desenvolvimento em que a mesma se encontra. Sendo assim, Gomes¹¹ infere que as pandemias são geradoras de transformações, mas também de equilíbrio, o que exige adaptação estratégica.

3. Perfil do sono

Diversos responsáveis relatam um aumento nas horas de sono durante a pandemia. Um estudo com 1.143 responsáveis na Itália e Espanha, para estudar o impacto emocional da quarentena em crianças e adolescentes de 3 a 18 anos, mostrou que a maioria das crianças teve horas aumentadas de duração total do sono.16 Outro trabalho desenvolvido na Espanha avaliou o tempo de sono de 113 crianças de 8 a 16 anos e encontrou um aumento nas horas de sono durante os dias úteis e finais de semana.17

Além do aumento de horas de sono durante a pandemia, os responsáveis também relataram problemas relacionados à sua qualidade, como despertares noturnos, agitação, bruxismo, terror noturno, entre outros. Um estudo realizado na Itália, incluindo 5.989 crianças de 4 a 10 anos, mostrou que 26% passaram a dormir na cama dos pais, 3% apresentaram enurese noturna e 19% problemas gerais no sono.18 Em um estudo transversal sobre jovens de 3 a 15 anos, os autores demonstraram que 42,7% dos pais relataram piora na qualidade do sono.19

4. Apetite

Segundo Jansen,20 os pais influenciam seus filhos no âmbito alimentar e, dependendo do impacto, podem estimular o aumento do apetite e, consequentemente, a quantidade de comida ingerida pela criança no dia. Os fatores que geraram essa influência na pandemia foram: estresse parental, psicológico materno e financeiro. Observou-se que os responsáveis usavam a comida como sua aliada na educação de seus filhos, utilizando-a para controlar o comportamento e as emoções dos mesmos.

Conforme refere Durães,21 a alimentação está atrelada às alterações psicoemocionais e ambientais, denominada "alimentação emocional". Outro ponto importante é que as crianças buscaram ingerir "alimentos de conforto", a exemplo de doces e carboidratos. Essa conduta propicia o aumento da serotonina, neurotransmissor que gera um efeito positivo no humor.

Contudo, tal prática alimentar transformou a obesidade infantil em um problema de saúde pública no Brasil. Conforme a pesquisa realizada pelo Instituto Desiderata22 em 2020, 32% das crianças de 5 a 10 anos apresentam obesidade, pois 85% das crianças nessa faixa etária têm o hábito de consumir alimentos ultraprocessados, 67% bebidas adoçadas, 60% biscoitos recheados, doces ou guloseimas e 50% macarrão instantâneo, salgadinhos, entre outros. Assim, faz-se necessária a criação de um plano na tentativa de conter o avanço desse número, com a implementação da promoção e prevenção da obesidade. É preciso compreender que o sobrepeso pode representar uma desnutrição pela ingesta inadequada de nutrientes necessários para a principal fase de crescimento do ser humano.

5. Ansiedade

A maioria (84,7%) dos responsáveis notou aumento na agitação das crianças durante a pandemia e apenas quatro (15,3%) relataram que não notaram alterações relacionadas à ansiedade no comportamento dos filhos.

De acordo com Da Mata et al.,10 o isolamento social pela pandemia de Covid-19 aumentou os medos e inseguranças das crianças, piorando, consequentemente, os transtornos psicológicos. Segundo a mesma, pesquisas concluíram que nesse hiato, a quantidade de jovens com depressão e ansiedade aumentou, além de outras alterações, como prejuízo da interação social e redução do apetite.

Segundo Linhares e Enumo,6 faz-se necessário compreender que as alterações funcionais, como sono, alimentação e perda do controle esfincteriano, do mesmo modo que as comportamentais, como agitação, agressividade, afastamento social e timidez, ocorrem devido à vulnerabilidade da faixa etária dos jovens.

Além da agitação, foram identificadas outras alterações relacionadas à ansiedade, como aumento das idas ao banheiro, estresse, hábito de roer unha, aumento do apetite e a influência da relação dos pais sobre os jovens.

Considerações da Fiocruz³ apontam que, ao ser submetido a alguma situação de estresse, o ser humano produz uma resposta chamada "resposta biológica ao estresse". Vias neuroendócrinas e inflamatórias do nosso organismo são ativadas, propiciando o acúmulo de gordura visceral e liberando hormônios que aumentam o apetite. Além disso, ainda conforme o mesmo estudo, um experimento da Universidade de Yale (EUA) concluiu que o açúcar é um combustível para alimentar o corpo, que o deixa preparado para situações de estresse (briga, fuga ou risco). Na pandemia, o consumo de alimentos ricos em carboidrato e açúcares, como pizza, batata frita e chocolate, aumentou bastante para suprir a demanda de energia com a preocupação.

6. Depressão

Dentre os entrevistados, 18 (69,2%) responderam que o filho não se tornou deprimido ao longo da pandemia, corroborando os dados da literatura acerca do assunto. Durante a pandemia de Covid-19, os jovens foram expostos a modificações estruturais, como alteração da rotina escolar e impossibilidade de socialização, além do enfrentamento de medos e inquietações, aumentando o aparecimento de transtornos mentais na infância, como depressão e ansiedade.10

Em situações de estresse, como por exemplo, a pandemia de Covid-19 e o isolamento social recentes, as pessoas podem se adaptar baseando-se no afastamento mental e negação, como uma estratégia de fuga de cenários estressantes. Esse distanciamento resulta em medo, desamparo, pessimismo, adiamento na tomada de decisões, desânimo, podendo chegar a um quadro de depressão.6

Segundo a Fiocruz,³ pesquisa realizada em 2020, com 2.330 estudantes chineses, identificou a presença de sintomas depressivos em 22,6% e ansiosos em 18,9% da amostra. Este resultado se relaciona à privação social e redução do lazer ao ar livre.

De acordo com Linhares e Enumo,6 pesquisas acerca de desastres naturais concluíram que os jovens são a faixa etária mais vulnerável após eventos estressores, com consequentes impactos na saúde física, mental e desempenho educacional, como estresse pós-traumático, depressão, novos medos e apego excessivo, requerendo intervenções psicossociais.

7. Uso de tecnologias

Dos entrevistados, 23 (88%) informaram aumento do uso de tecnologias pelas crianças durante a pandemia, de forma significativa.

Uma revisão de meta-análise mostrou correlação negativa entre a quantidade de uso de telas e o desenvolvimento da linguagem em crianças mais jovens. No entanto, se exposto a conteúdo de melhor qualidade com viés educacional, o uso de telas pode ser benéfico para a linguagem das crianças de forma dependente da idade.23 Outro estudo, analisando jovens de 4 a 18 anos, mostrou que o aumento do tempo de tela se relaciona com alimentação não saudável, sedentarismo, mal-estar, falta de atenção e problemas físicos.24

O estudo de Tso25 realizado em Hong Kong com 29.202 famílias, das quais 12.163 continham crianças de 2 a 5 anos, e 17.029, crianças d e 6 a 12 anos, concluiu que o tempo gasto em dispositivos eletrônicos para jogos e fins recreativos aumentou, em média, cerca de 1 hora, após o fechamento das escolas. Na faixa de 6 a 12 anos, o aumento foi mais relevante. Além disso, observou-se que o uso prolongado e crescente de dispositivos eletrônicos para fins de jogos e aprendizagem estava associado ao aumento de problemas psicossociais, especialmente em crianças mais jovens, o que resultou em maior estresse parental.

8. Suporte psiquiátrico/ psicológico

A pandemia de Covid-19 trouxe diversas implicações no âmbito da saúde física e mental. A brusca alteração na rotina, nos estudos e na convivência das crianças teve influência negativa na esfera psicológica que pode se perpetuar e gerar danos na fase adulta.26

De acordo com a literatura, observou-se que o medo de serem infectados ou de algum parente falecer gerou intensa apreensão nos jovens, resultando em ansiedade, fato já explicado neste estudo. Por conta disso, psicólogos e/ ou psiquiatras tiveram importante papel na vida das crianças ao longo da pandemia. Isto é observado na fala a seguir:

Ele ficou mais ansioso né? Porque ele queria sair e não podia, queria passear e não podia. Só ficávamos em casa mesmo. E ele ficava ansioso dele pegar Coronavírus e morrer né? Ele falava mesmo. Ele falava que tinha medo."

Contudo, apenas 3 (11,5%) dos entrevistados afirmaram que seus filhos iniciaram ou continuaram tratamento psicológico ao longo da pandemia. Todos negaram a necessidade de ajuda psiquiátrica e medicamentosa. Outro ponto importante, frequentemente citado, foi a iniciativa dos pais em oferecer fitoterápicos aos filhos, no intuito de diminuir os sintomas de ansiedade oriundos do momento em que se estava vivendo. Este fato é interessante, pois aponta a preferência dos pais no tratamento fitoterápico e de chás, ao invés do medicamento orientado por um psiquiatra, especialista no assunto.

 

Conclusão

Conclui-se, com este estudo, que a pandemia de Covid-19 resultou em grande impacto na saúde mental das crianças, visto que gerou sintomas ansiosos e depressivos, alterações alimentares, distúrbios no sono (aumento nas horas e prejuízo na qualidade) e no uso abusivo de tecnologias e telas.

A pandemia alterou o hábito alimentar das crianças e familiares. Como aspecto positivo, o número de famílias que realizaram as refeições juntas quase dobrou, haja vista a maior disponibilidade dos pais devido ao trabalho remoto. Entretanto, o aumento significativo da ingesta de alimentos gordurosos, de alto índice glicêmico e calórico, além da escassez da prática de exercício físico, evidenciou uma preocupante questão de saúde pública, a obesidade. Este fato deve ser considerado um alerta para pais, responsáveis e pediatras, sendo cada vez mais prevalente na população infantil, conduzindo a danos profundos e irreparáveis na saúde. Impõe-se a urgente necessidade da implementação de medidas combativas eficazes, na esfera da promoção, prevenção e sensibilização da família, da escola, das mídias e dos legisladores, contra o excesso de peso em nossa sociedade.

Como descrito, no grupo estudado em nossa pesquisa, poucas crianças tiveram acompanhamento psicológico e nenhuma teve acompanhamento psiquiátrico. Este fato sugere a preferência dos pais em tratar as ocorrências dos filhos sozinhos, oferecendo-lhes medicações "naturais", sem ajuda e aconselhamento médico. O ato deve ser visto com cautela, pois a literatura é clara ao enfatizar a importância do adequado diagnóstico precoce, a fim de evitar sequelas e redução na qualidade de vida futuras.

Nossa pesquisa evidenciou um relato de abuso sexual, trazido pela responsável durante a entrevista. As perguntas não contemplavam o tema, entretanto permitiu o aprofundamento na literatura, assim como uma ação de saúde com acolhimento, orientação e encaminhamento ao serviço especializado em saúde mental, objetivando a redução de danos e prejuízos na qualidade de vida da vítima.

Estudos no longo prazo serão necessários para avaliação de todas as consequências, uma vez que alterações psicossociais e na esfera da linguagem, no curto prazo, já se fazem presentes.

 

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