Artigo Original
Asma e sibilância na cidade do Rio de Janeiro e Índice de Desenvolvimento Humano: estudo de demanda ambulatorial
Asthma and wheezing in Rio de Janeiro city and Human Development Index: outpatient demand study
Ruy Tamoyo Vendas Rodrigues Neto; Clemax Couto Sant´Anna
DOI:10.31365/issn.2595-1769.v20i4p130-133
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
Endereço para correspondência:
Ruy Tamoyo Vendas Rodrigues Neto
Recebido em: 18/05/2020
Aprovado em: 24/08/2020
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: No Brasil, a asma é a causa de 300 mil internações por ano. Levando em consideração a ocorrência dessa doença na população, estudou-se a demanda de crianças e adolescentes com asma em um hospital pediátrico.
OBJETIVO: Analisar a demanda de atendimentos a crianças e adolescentes com asma em um centro de referência e sua relação com o Índice de DesenvolvimentoHumano das áreas de planejamento do município do Rio de Janeiro.
MÉTODOS: Estudo descritivo, realizado em ambulatório de pneumologia pediátrica no período de 2016 a 2019. Incluídos crianças e adolescentes com asma ou sibilância, estratificados por faixa etária e lugar de moradia. Avaliou-se o Índice de Desenvolvimento Humano das localidades do município do Rio de Janeiro.
RESULTADOS: Havia 165 pacientes provenientes das áreas programáticas 3.1, 3.3 ou 5.1, cujos Índices de Desenvolvimento Humano variaram de 0,784 e 0,830. A área programática 3.1 representou cerca de 31,3% dos casos analisados; seu Índice de Desenvolvimento Humano foi 0,784, um dos mais baixos do município.
CONCLUSÃO: Os pacientes com asma, em sua maioria, provinham de locais de moradia com baixos Índices de Desenvolvimento Humano.
Palavras-chave: Asma; Pediatria; Pneumologia; Atenção Primária à Saúde; Indicadores de Desenvolvimento.
Abstract
INTRODUÇÃO: In Brazil, asthma is the cause of 300,000 hospitalizations each year. Considering the frequency of this disease in the population, the demand of children and adolescents has been studied in a pediatric hospital.
OBJECTIVE: Analyze the demand of children and adolescents in a reference center and its relationship with the Human Development Index of the planning areas of Rio de Janeiro city.
METHODS: Descriptive study carried out in a pediatric pulmonology outpatient clinic from 2016 to 2019. Children and adolescents with asthma and wheezing were included, stratified per age and place of residence. The Human Development Index of the planning areas of Rio de Janeiro city were evaluated.
RESULTS: There was total of 165 patients from the planning areas 3.1, 3.3 or 5.1, which Human Development Indexes ranges from 0.784 to 0.830. The planning area 3.1 was responsible for 31.3% of the analyzed cases; its Human Development Index was 0.784, one of the lowest of the city.
CONCLUSION: Most of the patients with asthma were from places of residence with low Human Development Indexes.
Keywords: Asthma. Pediatrics. Pulmonary Medicine. Primary Health Care. Development Indicators.
INTRODUÇÃO
A asma é uma doença brônquica de caráter inflamatório obstrutivo crônico, proveniente de exposição a alérgenos e interação de cunho genético. Caracteriza-se por uma hiperresponsividade de vias aéreas inferiores e por comprometimento do fluxo aéreo, podendo ser desencadeada por muitos fatores, desde infecções respiratórias, mudanças de tempo e poluentes ambientais, até a prática de exercícios físicos, por exemplo.1,2
No Brasil, essa doença é a quarta maior causa de hospitalização pelo Sistema Único de Saúde (SUS), totalizando, aproximadamente, 300 mil internações por ano. A asma chega a atingir 24,3% das crianças e 19% dos adolescentes no país, daí a importância da análise da realidade dessa população no município do Rio de Janeiro.3,4
O controle da asma na cidade do Rio de Janeiro segue a abordagem estabelecida pela Secretaria Municipal de Saúde, com o programa RESPIRA-RIO, o qual se faz presente mesmo com dificuldades de atendimento, já que, no município, há áreas de difícil acesso e de problemas de transporte populacional exacerbados.5
Este estudo mapeou a demanda de um serviço terciário de referência a partir de encaminhamentos da Atenção Primária de crianças e adolescentes com asma residentes na cidade do Rio de Janeiro, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O IDH mede o progresso de uma nação a partir de três dimensões: renda, saúde e educação. É um índice chave dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas.6
Assim, o objetivo do presente estudo foi relacionar a situação da asma na infância no Rio de Janeiro com o IDH das localidades de onde vieram pacientes referidos para um serviço pediátrico.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo descritivo retrospectivo com crianças e adolescentes (de 0 a 16 anos) com diagnóstico de asma ou sibilância atendidos no Instituto de Puricultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no período compreendido entre janeiro de 2016 e dezembro de 2019. Foram estudados os pacientes residentes nas dez áreas de planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, estratificados em três grupos de acordo com suas idades: menores de 2 anos, entre 2-5 anos e maiores de 5 anos.
As áreas de planejamento, ou áreas programáticas (APs), do município do Rio de Janeiro são subdivisões da cidade, criadas com o intuito de melhorar a administração, a organização e a distribuição de verba no campo da saúde nessas regiões.7
Asma e sibilância recorrentes foram definidas a partir de, pelo menos, três episódios de sibilância no período de um ano. Foram analisados os IDHs de cada AP da metrópole, sendo entre 0,8 e 1 considerados muito elevados e entre 0,7 e 0,799, elevados.8 Os dados foram analisados por estatística descritiva, utilizando frequência e percentuais.
Este estudo faz parte de outro maior aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do IPPMG-UFRJ sob o CAAE 62469316.2.0000.5264, em 20 de dezembro de 2016.
RESULTADOS
Foram atendidos 252 pacientes com asma ou sibilância, provenientes da cidade do Rio de Janeiro. A distribuição por idade e procedência está descrita na tabela 1. Houve maior ocorrência de encaminhamentos provindos das APs 3.1 - 79 casos (31,3%); 3.3 - 46 casos (18,3%); 5.1 - 40 casos (15,9%); e 3.2 - 26 casos (10,3%). Por outro lado, a menor frequência se deu nas APs 2.1 - 1 caso; e 2.2 - 2 casos.
Com relação ao número de atendimentos, constatou-se maior índice em menores de 2 anos (41,3%), seguidos por maiores de 5 anos (33%), estando por último aqueles com idade entre 2-5 anos (25,7%).
O arranjo espacial percentual dos pacientes com asma ou sibilância encaminhados ao IPPMG segundo as APs encontra-se na figura 1. A análise dos IDHs foi realizada nas APs de moradia de pacientes residentes no município do Rio de Janeiro e está descrita na tabela 2 e no gráfico 1.
DISCUSSÃO
A distribuição espacial do local de moradia dos pacientes atendidos neste estudo apresentou um arranjo bastante definido: o maior número de casos é proveniente da Área de Planejamento 3.1, a qual engloba os complexos de favelas do Alemão e da Maré, Ilha do Governador, Ramos, Penha e Vigário Geral, seguido das APs 3.3 - Irajá, Madureira, Anchieta e Pavuna; 5.1 - Realengo e Bangu e 3.2 - Méier, Inhaúma e Jacarezinho. É válido destacar que a AP 3.1 é a área adstrita ao IPPMG-UFRJ, daí predominarem os atendimentos nesta unidade de referência.7
Historicamente, o município do Rio de Janeiro possui um investimento em saúde limitado ao mínimo previsto em Constituição, o que o levou a uma precariedade nesse campo. No entanto, de maneira gradativa ao longo dos anos, as Clínicas da Família vêm sendo uma ferramenta na tentativa de melhorar a conjuntura do atendimento médico na cidade, por meio de acompanhamentos e encaminhamentos - aos setores secundário e terciário do sistema de saúde - dos usuários, além de convênios com as universidades. Todavia, a lógica de assistência centrada na consulta médica persiste, fazendo com que os atributos da atenção primária à saúde estejam insuficientemente desenvolvidos no município, levando-nos a lidar com uma realidade falha e carente de organização em muitas regiões da cidade.10
Neste estudo, observaram-se dados de IDH de cada uma das APs que poderiam ser relacionados à asma e à sibilância segundo os locais de procedência dos pacientes. Verificou-se que um terço das regiões administrativas contempladas pelas APs 3.1, 3.2 e 3.3, e quatro quintos daquelas englobadas pelas 5.1, 5.2 e 5.3 estão entre os mais baixos índices do município. Além disso, é imperioso atentar para as favelas da cidade nessas localidades, com as piores conjunturas de habitação. Isso subentende uma precária implementação de saneamento, além de estar estritamente ligado à baixa renda per capita. Assim, o fato de que metade dos moradores de favelas do município habita as APs 3.1, 3.2 ou 3.3 fundamenta a grande porcentagem de pacientes residentes nessas áreas.7
Por outro lado, os bairros da Zona Sul (AP 2.1) e da Grande Tijuca (AP 2.2) possuem, no geral, maior IDH, com saneamento básico e boas condições de moradia em grande parte das residências. Ademais, a elevada renda per capita dessas regiões é compatível com uma maior utilização da rede privada de saúde, o que reduz o uso do aparato público - no qual se inclui o IPPMG-UFRJ - por moradores desses locais.7 Assim, é possível admitir que haja grandes dificuldades de atendimento de pacientes com asma nas APs com maior frequência de encaminhamentos, fazendo supor a necessidade de implementar a capacitação profissional ou melhor organização da demanda de serviços nessas áreas, a fim de evitar deslocamentos desnecessários de pacientes para fora de suas áreas.
Sob essa ótica, é essencial analisar o Sistema Nacional de Regulação (SISREG), sobretudo no cenário carioca. Trata-se de um sistema público on-line criado em 2001, disponibilizado pelo Ministério da Saúde e desenvolvido pela Secretaria de Atenção à Saúde em parceria com o Datasus. Seu intuito primordial é facilitar o planejamento e a distribuição dos recursos assistenciais, sendo a ferramenta para a organização da oferta de leitos, consultas e exames médicos, ainda que com deficiências operacionais. Um dos pilares essenciais de tal estrutura é a estratégia de encaminhamento e remanejamento de pacientes, onde se encontra um grande problema do SUS em todo o país, que não exclui o município do Rio de Janeiro.11
Esse cenário, então, gera um leque de dificuldades para muitos usuários da rede pública, os quais ficam submetidos a diversos erros, entre os quais falhas da rede informática, imprecisões nos dados de disponibilidade de leitos - o que pode levar a uma má distribuição dos pacientes - e ainda, realocações equivocadas no que tange à distância entre local de moradia e unidade de internação.
Uma das limitações do presente estudo é que o IDH, por ser um índice médio, pode mascarar alguns aspectos sociais e culturais dinâmicos das APs envolvidas. Além disso, por ser um estudo retrospectivo, não foi possível classificar os casos de asma atendidos no centro de referência.
Futuras análises permitirão identificar a gravidade de tais casos referidos ao serviço, o que possibilitará uma melhor avaliação do tipo de capacitação profissional supostamente requerida nas unidades de atenção básica envolvidas.
REFERÊNCIAS
1. Rodrigues PCO et al. Distribuição espacial das internações por asma em idosos na Amazônia Brasileira. Rio de Janeiro: Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v13n3/15.pdf. Acessado em: 10 mar. 2020.
2. Asma. Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/dicas-em-saude/482-asma. Acesso em: 13 mar. 2020.
3. Asma é a quarta maior causa de hospitalização no Brasil. Revista Exame. Disponível em: https://exame.abril.com.br/negocios/dino_old/asma-e-a-quarta-maior-causa-de-hospitalizacao-no-brasil/. Acesso em: 14 mar. 2020.
4. Matsunaga NY et al. Avaliação da qualidade de vida de acordo com o nível de controle e gravidade da asma em crianças e adolescentes. Disponível em: https://www.jornaldepneumologia.com.br/detalhe_artigo.asp?id=2469. Acesso em: 17 mar. 2020.
5. Prefeitura do Rio de Janeiro. Saúde da Criança: ações desenvolvidas pela área técnica. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/sms/exibeconteudo%3Bjsessionid=2F70BC519EA0F6D300BD1885ECA0B325.liferay-inst4?p_p_id=exibirconteudoportlet_WAR_conteudoportlet_INSTANCE_73pX&p_p_lifecycle=0&p_p_state=pop_up&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-3&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2&_exibirconteudoportlet_WAR_conteudoportlet_INSTANCE_73pX_struts_action=%252Fjournal_content%252Fview&_
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_exibirconteudoportlet_WAR_conteudoportlet_INSTANCE_73pX_viewMode=print. . Acesso em: 18 mar. 2020.
6. Organização das Nações Unidas. Human Development Index. Disponível em: http://hdr.undp.org/en/content/human-development-index-hdi. Acesso em: 26 jul. 2020.
7. Prefeitura do Rio de Janeiro. Anexo técnico I: informações sobre todas as áreas de planejamento Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/1529762/dlfe-220205.pdf/1.0. Acesso em: 22 mar. 2020.
8. United Nations Organization. Table 1. Human Development Index and its components. Disponível em: http://hdr.undp.org/en/composite/HDI. Acesso em: 21 abr. 2020.
9. Prefeitura do Rio de Janeiro. Boletim epidemiológico de tuberculose. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/documents/73801/181dbb1c-78db-4a95-a709-5888f93bdfd2. Acesso em: 17 mar. 2020.
10. Souza SAL. A expansão da Atenção Primária à Saúde no Rio de Janeiro sob a ótica dos paradigmas na saúde: Biomédico versus Integralidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. Acesso em: 27 mar. 2020.
11. Conselho Nacional dos Secretários de Saúde. Guia de apoio à gestão estadual do SUS. Brasília, 2016. Disponível em: https://www.conass.org.br/guiainformacao/o-sisreg/. Acesso em: 23 abr. 2020.