Editorial
O antivacinismo no Brasil: como estamos e o que podemos fazer?
Isabella Ballalai
DOI:10.31365/issn.2595-1769.v19i1p1-2
Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro
Endereço para correspondência:
Recebido em: 14/7/2019
Aprovado em: 15/7/2019
Instituiçao: Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
De acordo com dados do Ministério da Saúde, sete das oito vacinas obrigatórias na infância tiveram a cobertura aquém da meta em 2018. As causas são multifatoriais e incluem questões estruturais, de capacitação profissional, além da abalada confiança da população causada pela desinformação.
Taxas de cobertura vacinal em declínio e o consequente retorno de doenças já eliminadas não só refletem uma amnésia histórica, mas também um declínio da fé nas instituições e uma alarmante falta de preocupação com o bem-estar da coletividade.1 Na era da internet, o crescimento de alguns movimentos incentivam as pessoas a rejeitar o conselho de um perito ou a segui-lo de maneira seletiva e revelam uma nelas um excesso de confiança no seu próprio conhecimento amador.1
Descrente, desconfiada e ávida por informação, a população se torna presa fácil de movimentos antivacinistas e de fake news compartilhadas nas redes sociais e grupos de WhatsApp, o que se reflete em uma crescente hesitação em vacinar a si e aos seus.
No Brasil, de acordo com o estudo Wellcome Global Monitor 20182, realizado em 140 países com o objetivo de avaliar a percepção sobre questões relacionadas à ciência em geral e à saúde pública, 97% dos brasileiros acreditam ser importante vacinar as crianças, proporção maior que a média global (92%). No entanto, apenas 80% declarou acreditar na segurança das vacinas, proporção já não tão superior à média global de 79%.
Estudo brasileiro3 avaliou a confiança e hesitação em vacinar por parte dos brasileiros. Os resultados mostraram uma confiança geral na imunização maior do que aquela nos serviços de planejamento familiar, agentes comunitários de saúde e serviços de emergência. Entre os pais de crianças menores de cinco anos 43,6% relataram alta confiança nas vacinas e entre os 21,3% hesitantes, 7,4% declaravam alta confiança na imunização. Os motivos apontados com mais frequência para a hesitação foram confiança (41,4%), eficácia/segurança das vacinas (25,5%) e preocupação com eventos adversos (23,6%). O grupo etário mais jovem (<25 anos) se mostrou o mais hesitante, e os maiores de 60 anos foram os mais propensos a aceitar a vacinação. A maior taxa de aceitação ocorreu entre as famílias com grau de escolaridade superior (81,6%) com taxas decrescentes entre aqueles com nível médio (70,6%) e primário (58,6%). No entanto, em termos de hesitação, a resposta pouco variou com a escolaridade (de 62,1% a 65,5% entre aqueles com escolaridade básica e superior, respectivamente).
A recomendação médica tem papel fundamental na adesão das pessoas à vacinação. De acordo com o Wellcome Global Monitor 2018, pessoas que indicam médicos e enfermeiros como a principal fonte de informação em saúde acreditam mais na segurança das vacinas (81%) do que aqueles que priorizam outras fontes (72%), como amigos, família, líderes religiosos, curandeiros tradicionais e outros. Além disso, o nível de confiança nesses profissionais parece estar diretamente relacionado a uma melhor percepção sobre segurança. Dos entrevistados que declararam "confiar muito" nos profissionais, 87% concordam fortemente ou concordam que as vacinas não são danosas à saúde. Entre os que disseram "não confiar "muito" ou "não completamente", o índice de confiança nas vacinas foi de 67%.2
Apesar de, no geral, a confiança em vacina se mostrar alta no Brasil e no mundo, a natureza dinâmica, da tendência à hesitação, considerada uma das dez maiores ameaças globais à saúde humana4, indica a necessidade de abordagens criativas com base científica para comunicações sobre a vacinação e exige estratégias proativas de todos os setores da sociedade.
O desafio da comunicação é cada vez maior. A facilidade de acesso ao crescente número de publicações desprovidas de evidência científica exige que organizações de busca na internet e de mídias sociais desenvolvam ferramentas que possam bloquear ou identificar fontes não confiáveis sobre vacinação, tal como já fazem para mensagens de sexo explícito ou violência.
E nós pediatras, o que podemos fazer? Nosso papel vai além da prescrição das vacinas. É necessário não simplesmente repreender, mas ouvir e compreender as preocupações dos pais e dar a eles respostas simples e seguras que demonstrem a importância, os benefícios e a segurança da vacinação para seus filhos. Precisamos estar preparados para responder às ansiedades e dúvidas das famílias sobre as vacinas e tantos outros mitos e desinformações sobre a saúde de seus filhos. Para isso, muitas vezes, é necessário pesquisar sobre a veracidade da informação recebida e assim, dar o suporte necessário para tranquiliza-las.
Sabemos que a família de nosso paciente ou mesmo ele, muito provavelmente, vai buscar informações na internet sobre a vacinação, portanto, estratégia proativa de nossa parte poderia ser a de recomendar fontes seguras sobre o tema. Ficam aqui algumas sugestões: informações sobre as doenças imunopreveníveis, vacinas e calendários de vacinação: www.familia.sbim.com.br; vacinação e o Programa Nacional de Imunizações: www.saude.gov.br/saude-de-a-z/vacinacao/; fake news relacionadas à saúde: www.saude.gov.br/fakenews; cuidados com os filhos (#maisqueumpalpite): https://www.sbp.com.br/especiais/mais-que-um-palpite/.
REFERÊNCIAS
1. Reich, JA. Calling the Shots: Why Parents Reject Vaccines. Editora New York University Press. 2016. ISBN: 978147987483.
2. Gallup. Wellcome Global Monitor 2019: Science and Society. Wellcome Global Monitor 2018: How does the world feel about science and health? Junho 2019. Disponível em https://wellcome.ac.uk/sites/default/files/wellcome-global-monitor-2018.pdf. Último acesso em 13.07.2019.
3. Brown AL, Sperandio M, Turssi CP, Leite RMA, BertonVF, Succi RM, Larson H, Napimoga MH. Vaccine confidence and hesitancy in Brazil. Cad. Saúde Pública vol.34 no.9. Rio de Janeiro 2018. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00011618.
4. OPAS Brasil. Dez ameaças à saúde que a OMS combaterá em 2019. Janeiro 2019. Disponível em https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5848:dez-ameacas-a-saude-que-a-oms-combatera-em-2019&Itemid=875. Último acesso em 13.07.2019.